A gênese de criminosos violentos

É possível prever, desde a infância e a adolescência, a criminalidade adulta, particularmente a criminalidade violenta?

Em parte. Alguns comportamentos agressivos já na infância são preditores da criminalidade muitos anos depois; a influência de outros se dilui através dos anos e surgem outras influências, da pré-adolescência em diante. Três pesquisadores da Universidade de Michigan fizeram uma pesquisa longitudinal que acompanhou 856 crianças que estavam na terceira série em 1959/60. A maioria dessas crianças era branca e de classe média.

Como aferiram a agressividade e outras características das crianças já na terceira série? Em primeiro lugar, levaram em sério a opinião dos colegas. Foram os colegas que definiram o nível de agressividade de cada um, assim como a popularidade dos demais, se eram queridos ou não. Evidentemente, os pesquisadores buscaram outras informações e usaram outras fontes. Mediram o QI das crianças e o comportamento e crenças dos pais. Não deixaram a família de fora.

Quais as características das crianças mais agressivas? Antes, porém, entendamos que não se trata de ter ou não ter essas características, mas de ter mais ou menos dessas características. Assim, na média, as crianças agressivas eram menos queridas pelos seus coleguinhas. É legítimo perguntar se eram menos queridas porque eram mais agressivas ou se eram mais agressivas porque eram menos queridas, ou os dois. Também eram as que menos expressavam culpa.

Os pais das crianças agressivas também eram diferentes dos pais das crianças que não foram definidas como agressivas pelos colegas. Para começar, acreditavam mais em castigo e punição.

Rejeitavam mais seus filhos e filhas que, por sua parte, não se identificavam com a imagem que pais e mães tinham de si mesmos. Já havia discrepâncias sérias quando os meninos tinham oito anos de idade.

E o crime? Há fatores, presentes aos oito anos, que influenciaram o risco de cometer crimes durante mais de duas décadas? Os autores compararam as características de dois grupos: 1) 68 meninos que tinham sido presos, pelo menos uma vez, até completarem 30 anos (vinte e dois anos depois) e 2) 264 meninos que nunca tinham sido presos.

Lembrando que as informações se referem a uma população majoritariamente branca e de classe média, apresentamos a descrição, feita pelos autores, da combinação de fatores que mais pesou na produção de adultos com experiência prisional: vieram de famílias grandes, com maior número de irmãos e irmãs, com um nível de educação mais baixo do que a média, vivendo em áreas mais pobres. Nesse ponto, as conclusões dessa pesquisa estão de acordo com um número grande de pesquisa: as variáveis criminogênicas são semelhantes.

Porém, mesmo entre os membros dessa sub-população com características que facilitam a formação de criminosos, o risco de cometer crimes baixa muito entre os filhos de famílias que frequentam uma igreja. Essa é uma das variáveis individualmente mais poderosas (p<0,002), juntamente com a agressividade do menino aos oito anos.

E os crimes violentos? Afinal, são diferentes dos demais. Vinte e cinco dos meninos foram presos por, pelo menos, um crime violento nos 22 anos seguintes. As regressões mostram que das variáveis relativas às crianças quando tinham oito anos, um QI baixo e uma alta agressividade eram estatisticamente significativas, assim como variáveis relacionadas aos pais e à família: a frequência a igrejas  dos pais continuava sendo um relevante fator protetor, mas o número de irmãos e irmãs tinha um efeito negativo. A educação dos pais continuava a influenciar o futuro dos filhos vinte e dois anos depois: quanto mais educados os pais, menor o número de filhos que cometeram crimes violentos. Pais e mães que pais e mães com uma ideologia punitiva aumentam o risco e, como esperado, pais e mães com um histórico de criminalidade também aumentam esse risco. Famílias marcadas pela discórdia e pelo conflito também aumentam o risco de que os filhos cometam um crime violento.

É possível avaliar o peso de cada um desses fatores: a regressão logística utilizada pelos autores revela que a cada aumento de um desvio padrão na agressividade aos oito anos aumenta em 41% o risco de cometer um crime violento nos 22 anos seguintes; já o aumento de um desvio padrão na frequência à igreja reduz esse mesmo risco em 34%.

Muito do que uma criança é, faz e sofre aos oito anos continua influenciando seu comportamento décadas depois.

GLÁUCIO SOARES IESP/UERJ

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