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Doenças mentais e homicídios

A associação, feita através da mídia, entre doenças mentais e crimes, pode ter gerado uma grave distorção na mente de muitos a respeito dos perigos que o contato com doentes mentais acarreta para as pessoas. Nessa associação, as doenças mentais são tratadas como um bloco, como se fossem todas iguais e como se todas fossem de alta periculosidade para os demais. Além disso, recebem uma atenção desproporcional da mídia que infla, na mente dos leitores, o risco que essas doenças representam para a segurança pública. Uma equipe de pesquisa, trabalhando no Département de psychiatrie et psychologie médicale, em Angers, na França, publicou um trabalho que esclarece algumas noções equivocadas. É um trabalho de revisão dos estudos epidemiológicos internacionais sobre homicídios cometidos por pessoas com doenças mentais. A cobertura começa em 1990. Analisaram, também, as relações entre definições diferentes de doenças semelhantes. Constatam que há uma associação entre ALGUMAS desordens mentais e homicídios. Enfatizaram algumas manifestações de esquizofrenia (mas não outras); as chamadas desordens anti-sociais da personalidade e o abuso de álcool e de drogas. Seguindo a definição de Hodgins, somente 15% dos assassinos apresentam uma desordem mental grave (esquizofrenia, paranoia, melancolia). Há muitas desordens mentais que não alteram o risco de uma pessoa matar alguém. As desordens afetivas, de ansiedade e a distimia não aumentam nem diminuem esse risco. Pessoas com retardo mental tão pouco se diferenciam da população como um todo. Não obstante, são objeto de preconceito e discriminação.
Os autores se concentram nas desordens mentais GRAVES, que dobram os risco de matar dos homens e multiplicam por seis o das mulheres. As conclusões desse grupo sugerem que há variedades e tipos de esquizofrenia e que somente a forma paranoide de esquizofrenia aumenta o risco da pessoa matar alguém.
Lembremos que somente cerca de seis por cento dos homicidas são esquizofrênicos.
E os outros 94%?
Dez por cento têm algum tipo de desordem de personalidade. Porém, 38% dos homicidas são alcoólatras. Nada menos.
Os dados mostram razões para preocupação quando tratamos das desordens anti-sociais da personalidade.
Há muita discordância sobre as relações entre doenças mentais e homicídio. Há consenso em que as doenças mentais são um conjunto heterogêneo de transtornos e desordens, que variam muito uns dos outros, e também têm riscos muito diferentes de levar alguém, junto com outros fatores, a matar alguém mais.
Realço que trato da relação entre essas desordens e o homicídio. Esse estudo trata da representação dessas desordens entre homicidas condenados. Fala do risco, entre os homicidas, de que encontremos pessoas com esta ou aquela desordem e não do risco de que uma pessoa com essa ou aquela desordem mate alguém intencionalmente.
O conhecimento profundo das doenças mentais não é parte do campo das ciências políticas e sociais, nem da Criminologia. Se o leitor quiser se aprofundar nesse campo, deve procurar as contribuições de psiquiatras, psicólogos e psicanalistas.

Conheça os detalhes desse estudo: Encephale. 2009 Dec;35(6):521-30. doi: 0.1016/j.encep.2008.10.009.

GLÁUCIO SOARES


Doentes mentais: criminosos ou vítimas?

As pessoas com alguns tipos de doenças mentais cometem mais crimes do que as que não padecem dessas mesmas doenças. Essa é uma relação provada e demonstrada em Criminologia através de pesquisas feitas em diferentes países. Não obstante, pesquisa recente dirigida por Brent Teasdale, professor na Georgia State University, produziu novas informações: as doenças mentais aumentam mais o risco do paciente de se tornar vítima de um crime do que de cometer um crime. Teasdale foge dos rótulos mais ambiciosos das doenças mentais e se concentra em comportamentos e sintomas mais específicos. Pacientes que sofrem de alucinações, por exemplo, são vítimas preferenciais de crimes, o mesmo passando com pacientes com delírios. O risco de vitimização é multiplicado quando o paciente está drogado ou alcoolizado, ou não possui residência. Contudo, morar ou não na rua é uma variável associada com a vitimização de direito próprio. Os moradores de rua são vitimas de crimes com muito mais freqüência do que os que tem um “ponto”, um lugar onde dormir. Essa é uma relação que se explica por várias teorias, inclusive a dos encontros, a de atividades de rotina e a de oportunidades. Os moradores de rua passam mais tempo expostos a agentes do crime do que os demais, que ou têm residência fixa ou dispõem de um ou mais “pontos” onde passar a noite e/ou parte do dia. Os momentos em que um morador de rua passa num ponto protegido reduzem o risco de crime. Essa redução é de particular importância à noite, como previsto pela Teoria dos Encontros. Essa teoria propõe que nas sociedades modernas o risco de um encontro com um criminoso é mais alto à noite. Para evitar esses encontros, é mais importante ter onde ficar à noite do que ter onde ficar durante o dia. Teasdale quantificou o risco. Os doentes mentais que experimentam delírios têm o dobro do risco de vitimização do que os que não os experimentam. A população tem receio dos doentes mentais, particularmente se esses apresentarem sintomas como delírios e alucinações. De fato, as doenças mentais aumentam a probabilidade de cometer um crime, violento ou não. E, entre os doentes mentais, os que apresentam delírios e alucinações cometem mais crimes do que os que não apresentam esses sintomas. Essas relações são verdadeiras, mas provocaram um medo generalizado e um estigma. O estigma pode aumentar a violência preventiva contra doentes mentais. Creio que, na maior parte dos casos, as pessoas tomam medidas e ações evasivas e algumas cometem violências verbais, mas algumas cometem violências físicas que, hipotetizo, não seriam cometidas se as vítimas fossem pessoas “normais”. Os doentes mentais, nos momentos da doença, podem estar confusos e voltados para dentro, distorcendo suas percepções do ambiente que os circunda. Percebem pouco e avaliam pior. Nas explosões de delírios e alucinações as pessoas encarregadas, inclusive voluntariamente, de cuidar dos pacientes podem fugir dos pacientes e da sua responsabilidade, deixando-os à mercê dos encontros negativos. Não é fácil lidar com delírios e alucinações. Os resultados sugerem algumas medidas preventivas. Parentes e amigos de pacientes mentais, em geral, devem ser alertados a respeito da maior vulnerabilidade deles, em particular dos que apresentam delírios e alucinações. Nos paises em que predomina a “lei de Gerson” e o limiar da responsabilidade é baixo, esse abandono talvez seja mais freqüente e os riscos para o paciente muito mais elevados. As conclusões de Teasdale foram baseadas numa pesquisa chamada de MacArthur Violence Risk Assessment Study, que acompanhou durante um ano pacientes que tiveram alta de hospitais psiquiátricos.