Arquivo da tag: fumar em lugares públicos

O FUMO DOS OUTROS E VOCÊ

Há muitos anos, na Flórida, um casal de brasileiros fumantes pendurou na porta da sua casa uma nota a respeito do dano que o fumar em casa faz a outros residentes, além dos fumantes. Hoje chamamos essas vítimas de fumantes secundários. A exigência de pendurar a nota foi feita pelo pediatra que tratava as duas filhas do casal, ambas com problemas de asma e outras disfunções respiratórias.

Inusitado. Penduraram a nota, mas não pararam de fumar em casa.

Outro acontecimento inusitado foi uma expressão que ouvi do pai das crianças: somos “fumantes racionais”. Logo percebeu a contradição embutida na expressão. Não obstante, insistiu em usá-la. Usando essa expressão, ele traçava uma linha entre os fumantes irracionais que apestavam residências, e eles, pai e mãe fumantes, que estariam abaixo dessa linha. Acima ou abaixo, as filhas tinham asma e bronquite, ao que tudo indica, reativas à intoxicação diária dentro de casa.

No meu entender, essa linha imaginária tinha uma função: reduzir a culpa dos pais fumantes e mascarar sua condição de dependentes químicos.

l Dependentes da nicotina.

Hoje, uns vinte anos mais tarde, não há como manter a linha imaginária. Pesquisas e mais pesquisas demonstraram o dano que o fumo de alguns produz em outros.

Inclusive filhos e filhas.

Inclusive ainda dentro da barriga da mãe.

O fumo afeta uma ampla área da saúde humana, inclusive o risco de câncer. Segundo a American Cancer Society, o fumo do tabaco é composto por milhares de substâncias químicas, das quais pelo menos 70 são cancerígenas. As principais: nicotina (a droga que provoca o vicio) é um dos produtos químicos mais agressivos da fumaça do tabaco; cianeto de hidrogênio; formaldeído; chumbo; arsênico; amônia e até elementos radioativos como o urânio. Tem mais: benzina; monóxido de carbono; nitrosaminas, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs), etc. etc.

O dano começa quando o bebê nasce?

Não. Começa muito antes. As mães fumantes danificam seus filhos ainda na barriga. Fumar durante a gravidez afeta a mãe e o bebê antes de nascer, durante o parto, e depois do parto.

Todos os venenos que são inalados pela mãe fumante (primária ou secundária) entram na corrente sanguínea e vão direto ao feto.

Quais as consequências?

São muitas, muitas. Menciono algumas:

l Reduz a quantidade de oxigênio disponível para as mães e os bebês;

l aceleram os batimentos cardíacos do bebê;

l aumenta a taxa de natimortos;

l aumenta a taxa de abortos espontâneos e mais. 

E se a gestante for uma fumante secundária? Lembremos que fumantes secundários não fumam, mas inalam a fumaça do cigarro aceso e a exalada por um fumante. 

São muitas as consequências para a gestante e para o bebê dentro da sua barriga.

Mesmo quando o fumante é um “fumante racional”?

Também!

De cara, diminui a quantidade de oxigênio disponível para a gestante e para o bebê; aumenta os batimentos cardíacos do bebê e várias consequências encontradas nos bebês de gestantes que fumam: taxa mais elevada de natimortos e de abortos não intencionais; taxa mais elevada de que o bebê seja prematuro; reduz o peso do bebê ao nascer; aumenta o risco de que o bebê tenha doenças respiratórias, de nascer com defeitos, da síndrome da morte súbita e mais.

Todos os riscos aumentam com o número de cigarros fumados diariamente.

Não há número “seguro” de cigarros que podem ser fumados;

Não existem “fumantes racionais”. É mito.

Outro mito é o de que cigarro aceso, mas não fumado, causa menos dano à saúde dos demais. É o contrário.

O fumante retém algumas das substâncias maléficas; o cigarro aceso no cinzeiro joga tudo direto no ar.

Claro está que outras condições pesam, alteram a probabilidade de causar essas inúmeras doenças. Ao ar livre, a fumaça se dissipa muito mais rapidamente. Imaginem, ao contrário, os que dormem trancados, com janela fechada…

Em 2009, um relatório da Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer concluiu que são fortes as evidências que demonstram que a implementação de leis de controle do fumo reduzem as doenças cardíacas;

Em 2010 a Cochrane efetuou uma revisão de doze pesquisas que revelou a existência de uma redução nas internações hospitalares por problemas cardíacos depois da implementação de legislação de controle do fumo.

E maconha?

Desculpem, mas as pesquisas indicam que os efeitos da maconha podem ser ainda mais acentuados.

Um exemplo:

Uma pesquisa dirigida por Matthew Springer, professor da Universidade da Califórnia, comparou os efeitos do fumo secundário com cigarros e com maconha. Claro que não poderiam usar seres humanos como cobaias. Usaram ratos. Os que foram submetidos a um ambiente carregado com fumaça de maconha levaram mais tempo até que as artérias, artificialmente comprimidas pelos componentes da fumaça voltassem ao seu diâmetro normal. Quando os ratos eram expostos à fumaça de cigarros, suas artérias levavam trinta minutos para voltar ao normal; quando a fumaça era de maconha, levavam noventa minutos.

Isso, a despeito da maconha produzir um número menor de componentes químicos.

E quais os efeitos das políticas públicas em relação às doenças coronárias? Em 2010, fizeram uma meta-análise de 17 estudos que pesquisaram os efeitos das políticas públicas sobre a redução nas doenças coronárias e a conclusão, estatisticamente significativa, mostra que houve redução.

Tem mais: esses efeitos saudáveis aumentaram ao longo do tempo.

Em 2012 foi realizada uma pesquisa sobre o efeito de políticas de controle do fumo sobre a saúde de idosos (65 anos e mais). Quais eram essas políticas? Proibições de fumar nos locais de trabalho, nos bares e restaurantes, que atingiam, pelo menos, 50% da população do condado.

Quais foram as consequências?

l Uma redução de 20% nas internações hospitalares devido a ataques do coração e

l Uma redução de 11% nas internações devido a doenças crônicas de obstrução pulmonar.

E no Brasil? Embora desde o início das pesquisas sistemáticas, na década de sessenta, já fossem conhecidos os benefícios de políticas que protegessem não-fumantes (e fumantes também) em locais públicos, um senador engavetou o projeto durante sete anos. Conversei com uma assistente do senador, uma fumante, que condenou o projeto na base dos direitos dos fumantes, que via como um direito absoluto e inalienável. Continuou, dizendo que o número de vidas salvas era ínfimo. Com base em algumas considerações, estimou que o “ínfimo” número de vidas salvas anualmente era cerca de cinco mil. Balançou um pouco, mas insistiu em sua posição e a conversa terminou em pouco tempo.

Cinco mil vidas…

Cada ano; todos os anos.

Não foram suficientes para aquela fumante respeitar os não fumantes.

Você, não fumante, poderá ser hostilizado se expressar qualquer restrição ao fumo, inclusive ao “direito” dos fumantes de fumar no seu nariz. Uma das descrições agressivas da sua postura, talvez a mais comum, é “frescura”.

Em verdade, é frescura sim. Nós queremos ar fresco para respirar.

Sem qualquer tipo de poluição.

Defenda sua saúde e a sua vida! Com o exemplo; com a palavra; com a mobilização.

Gláucio Soares IESP/UERJ

var _tcq = _tcq || []; _tcq.push([‘init’, ‘791b382b72’]);

(function(d, s) {

    var e = d.createElement(s); e.type = ‘text/javascript’; e.async = true;

    e.src = ‘https://s.tcimg.com/w/v3/trendcounter.js’;

    var f = d.getElementsByTagName(s)[0]; f.parentNode.insertBefore(e, f);

})(document, ‘script’);