Arquivo da categoria: igualdade de oportunidades

Bilhões contra centavos

Algumas das bandeiras levantadas pelos manifestantes, que estavam presentes nas redes sociais há tempos, se referem à conveniência (ou não) de realizar copas e olimpíadas quando faltam recursos para a infraestrutura, o transporte, a educação e a saúde. Porém, há outros pontos relacionados aos eventos esportivos internacionais que o Brasil sedia e sediará que são perturbadores e podem levantar novas bandeiras e alimentar novas manifestações. 

As reivindicações são sociais e políticas, ainda que apartidárias e a grande maioria dos milhões de manifestantes defende o que já foi chamado de “uma nova democracia”, com níveis muito altos de participação. É um contraste com o caráter autocrático de muitas organizações esportivas e com os problemas de corrupção nas relações entre elas e os países sede. É um ninho de vespas esperando ser tocado. 
A FIFA é uma organização autocrática? Julgue você: ela foi fundada em 1904 e teve oito presidentes até agora, com uma permanência média de 13,6 anos no poder. É muito. Jules Rimet, cujo nome foi dado à primeira taça das Copas Mundiais, presidiu a FIFA durante 33 anos. Três morreram na presidência. A democracia requer mandatos fixos e limites na permanência no poder. 
A presidência da FIFA revela sua origem eurocêntrica. Dos oito presidentes, sete eram ou são europeus. Nosso conhecidíssimo João Havelange, até agora, é a única exceção. Teve o inegável mérito de globalizar o futebol e a FIFA, contra, diga-se de passagem, os protestos de muitos europeus. Porém, ele também teve um extenso reinado, de 24 anos, marcado por acusações de corrupção. O atual presidente, Blatter, assumiu em junho de 1998. Já completou quinze anos na presidência. 
Esse caráter autocrático, com concentração de poder e número ilimitado de reeleições, marca muitas associações esportivas, nacionais e internacionais. Havelange, quando presidiu a CBF, permaneceu 23 anos. Roberto Teixeira, que saiu há pouco, outros 23. E há problemas de nepotismo. Ricardo Teixeira foi casado com a filha de João Havelange, Lúcia. Outras organizações esportivas, nacionais e internacionais, também se caracterizam por extensas permanências dos que ocupam os cargos mais altos e por empregar parentes e amigos de seus presidentes ou diretores.
O descompasso com o principio democrático não é de hoje, nem é peculiar à FIFA. Organizações internamente autocráticas convivem mal com países democráticos. Segundo o The Sun, Jérôme Valcke, Secretário Geral da FIFA, afirmou que era mais fácil lidar com um líder forte, como Putin, do que com países democráticos, como a Alemanha. Talvez seja, apenas, uma constatação. Há receios de que expresse uma preferência. Blatter foi mais longe: afirmou que a Copa de 1978, na Argentina, foi uma forma de reconciliar os argentinos com o sistema político. Como sabemos, era uma ditadura militar. No dia 2 de outubro de 1968, ocorreu um massacre em Nonoalco-Tlatelolco, no México. Havia uma manifestação, como as que ocorrem no Brasil, lideradas por jovens. As forças repressivas abriram fogo. As estimativas do número de mortos variam entre 30 e 300. Alguns dias depois do massacre o México sediou as Olimpíadas e, em 1970, ainda presidido por Diaz Ordaz, a Copa. As Olimpíadas de 2008 foram realizadas em Beijing, a despeito de conflitos no Tibete e de uma proibição de filmar na Praça Tiananmen, palco de enfrentamento entre populares pró-democratização e o governo chinês em 1989. É difícil estimar o número de mortos nesse tipo de acontecimento; as estimativas são de cinquenta policiais e de 400 a 800 civis. Não obstante, a estimativa do correspondente Jan Wong é mais alta, cerca de três mil. Evidentemente, a transferência de uma Olimpíada ou de uma Copa do Mundo tem sérias consequências econômicas e acarreta desprestígio politico; diante desses fatores, o principio democrático cede lugar às conveniências políticas e econômicas. 

Alguns desses problemas são debatidos no mundo dos esportes. Os presidentes das associações dinamarquesa e alemã, Allan Hansen e Wolfgang Niersbach, criticaram a recusa da FIFA em discutir temas como a idade limite e a duração dos mandatos. 
Os presidentes e altos funcionários ficaram e ficam por abnegação? Por altruísmo? 
É difícil acreditar que seja somente por altruísmo. Ninguém sabe quanto ganha Blatter. A FIFA não revela. Em maio deste ano, Mark Pieth, um advogado suíço, exigiu que a FIFA revelasse o quanto ganham os membros da sua hierarquia. Segundo a organização The Richest (http://www.therichest.org/) o patrimônio de Blatter seria de dez milhões de dólares; Blatter teria admitido que seu salário era £598,000 em 2010, cerca de dois milhões de reais ao cambio de hoje. 
A FIFA vive de eventos. Uma estimativa nos dá 87% das suas receitas neste quesito. Tem deixado a receita das entradas e ingressos para o país sede. Ajudou a África do Sul com 500 milhões de dólares, muito pouco, considerando os gastos do país com a construção e a reconstrução de estádios, a custosa melhoria dos transportes para os estádios, aeroportos e áreas de turismo, e segurança. O New York Times, no dia 20 de junho, foi enfático ao afirmar que “nem a FIFA nem o Comitê Olímpico Internacional financiam os estádios multibilionários, nem pagam pela infraestrutura, o policiamento… Mas são a FIFA e o COI que [recebem] os bilhões da receita das televisões.” Até os direitos televisivos e de marketing são reservados para a FIFA. Eles são o filão das copas. Quanto rendem? Bilhões, e a FIFA fica com eles. Assinou um contrato com a ABC/ESPN para a transmissão de seus eventos de 2007 a 2014 somente na língua inglesa: 425 milhões. É um monopólio assegurado pela LEI Nº 12.663 de 5/6/2012, Seção III, Art. 12: “A FIFA é a titular exclusiva de todos os direitos relacionados às imagens, aos sons e às outras formas de expressão dos Eventos, incluindo os de explorar, negociar, autorizar e proibir suas transmissões ou retransmissões”. Lei brasileira garantindo a uma organização internacional o monopólio de rendas relacionadas com eventos acontecidos no país. 
O orçamento da FIFA para 2011-2014 estima uma receita de quase quatro bilhões de dólares. Feliz com esses resultados, Blatter aumentou a contribuição da FIFA para as seis confederações regionais: dois milhões e meio para cada uma. Aumento pequeno. Quinze milhões, no total, ou menos de meio por cento do mencionado orçamento. Agregue-se a essa “magnífica esmola”, outras, bem menores, de 250 mil dólares para cada federação ou confederação nacional.
Há uma contradição entre o caráter autocrático da FIFA, as frequentes acusações de corrupção a seus próceres, suas altas receitas, os salários não revelados dos seus dirigentes, a sua conivência com regimes repressivos, a sua insensibilidade em relação às pesadas consequências sociais de gastos desnecessários, de um lado, e os ideais modestos, socialmente igualitários, contra a corrupção e de construção, talvez ingênua, de uma nova democracia, dos manifestantes fora dos estádios. 

GLÁUCIO SOARES

 

 

Bilhões contra centavos

Algumas das bandeiras levantadas pelos manifestantes, que estavam presentes nas redes sociais há tempos, se referem à conveniência (ou não) de realizar copas e olimpíadas quando faltam recursos para a infraestrutura, o transporte, a educação e a saúde. Porém, há outros pontos relacionados aos eventos esportivos internacionais que o Brasil sedia e sediará que são perturbadores e podem levantar novas bandeiras e alimentar novas manifestações. 

As reivindicações são sociais e políticas, ainda que apartidárias e a grande maioria dos milhões de manifestantes defende o que já foi chamado de “uma nova democracia”, com níveis muito altos de participação. É um contraste com o caráter autocrático de muitas organizações esportivas e com os problemas de corrupção nas relações entre elas e os países sede. É um ninho de vespas esperando ser tocado. 
A FIFA é uma organização autocrática? Julgue você: ela foi fundada em 1904 e teve oito presidentes até agora, com uma permanência média de 13,6 anos no poder. É muito. Jules Rimet, cujo nome foi dado à primeira taça das Copas Mundiais, presidiu a FIFA durante 33 anos. Três morreram na presidência. A democracia requer mandatos fixos e limites na permanência no poder. 
A presidência da FIFA revela sua origem eurocêntrica. Dos oito presidentes, sete eram ou são europeus. Nosso conhecidíssimo João Havelange, até agora, é a única exceção. Teve o inegável mérito de globalizar o futebol e a FIFA, contra, diga-se de passagem, os protestos de muitos europeus. Porém, ele também teve um extenso reinado, de 24 anos, marcado por acusações de corrupção. O atual presidente, Blatter, assumiu em junho de 1998. Já completou quinze anos na presidência. 
Esse caráter autocrático, com concentração de poder e número ilimitado de reeleições, marca muitas associações esportivas, nacionais e internacionais. Havelange, quando presidiu a CBF, permaneceu 23 anos. Roberto Teixeira, que saiu há pouco, outros 23. E há problemas de nepotismo. Ricardo Teixeira foi casado com a filha de João Havelange, Lúcia. Outras organizações esportivas, nacionais e internacionais, também se caracterizam por extensas permanências dos que ocupam os cargos mais altos e por empregar parentes e amigos de seus presidentes ou diretores.
O descompasso com o principio democrático não é de hoje, nem é peculiar à FIFA. Organizações internamente autocráticas convivem mal com países democráticos. Segundo o The Sun, Jérôme Valcke, Secretário Geral da FIFA, afirmou que era mais fácil lidar com um líder forte, como Putin, do que com países democráticos, como a Alemanha. Talvez seja, apenas, uma constatação. Há receios de que expresse uma preferência. Blatter foi mais longe: afirmou que a Copa de 1978, na Argentina, foi uma forma de reconciliar os argentinos com o sistema político. Como sabemos, era uma ditadura militar. No dia 2 de outubro de 1968, ocorreu um massacre em Nonoalco-Tlatelolco, no México. Havia uma manifestação, como as que ocorrem no Brasil, lideradas por jovens. As forças repressivas abriram fogo. As estimativas do número de mortos variam entre 30 e 300. Alguns dias depois do massacre o México sediou as Olimpíadas e, em 1970, ainda presidido por Diaz Ordaz, a Copa. As Olimpíadas de 2008 foram realizadas em Beijing, a despeito de conflitos no Tibete e de uma proibição de filmar na Praça Tiananmen, palco de enfrentamento entre populares pró-democratização e o governo chinês em 1989. É difícil estimar o número de mortos nesse tipo de acontecimento; as estimativas são de cinquenta policiais e de 400 a 800 civis. Não obstante, a estimativa do correspondente Jan Wong é mais alta, cerca de três mil. Evidentemente, a transferência de uma Olimpíada ou de uma Copa do Mundo tem sérias consequências econômicas e acarreta desprestígio politico; diante desses fatores, o principio democrático cede lugar às conveniências políticas e econômicas. 

Alguns desses problemas são debatidos no mundo dos esportes. Os presidentes das associações dinamarquesa e alemã, Allan Hansen e Wolfgang Niersbach, criticaram a recusa da FIFA em discutir temas como a idade limite e a duração dos mandatos. 
Os presidentes e altos funcionários ficaram e ficam por abnegação? Por altruísmo? 
É difícil acreditar que seja somente por altruísmo. Ninguém sabe quanto ganha Blatter. A FIFA não revela. Em maio deste ano, Mark Pieth, um advogado suíço, exigiu que a FIFA revelasse o quanto ganham os membros da sua hierarquia. Segundo a organização The Richest (http://www.therichest.org/) o patrimônio de Blatter seria de dez milhões de dólares; Blatter teria admitido que seu salário era £598,000 em 2010, cerca de dois milhões de reais ao cambio de hoje. 
A FIFA vive de eventos. Uma estimativa nos dá 87% das suas receitas neste quesito. Tem deixado a receita das entradas e ingressos para o país sede. Ajudou a África do Sul com 500 milhões de dólares, muito pouco, considerando os gastos do país com a construção e a reconstrução de estádios, a custosa melhoria dos transportes para os estádios, aeroportos e áreas de turismo, e segurança. O New York Times, no dia 20 de junho, foi enfático ao afirmar que “nem a FIFA nem o Comitê Olímpico Internacional financiam os estádios multibilionários, nem pagam pela infraestrutura, o policiamento… Mas são a FIFA e o COI que [recebem] os bilhões da receita das televisões.” Até os direitos televisivos e de marketing são reservados para a FIFA. Eles são o filão das copas. Quanto rendem? Bilhões, e a FIFA fica com eles. Assinou um contrato com a ABC/ESPN para a transmissão de seus eventos de 2007 a 2014 somente na língua inglesa: 425 milhões. É um monopólio assegurado pela LEI Nº 12.663 de 5/6/2012, Seção III, Art. 12: “A FIFA é a titular exclusiva de todos os direitos relacionados às imagens, aos sons e às outras formas de expressão dos Eventos, incluindo os de explorar, negociar, autorizar e proibir suas transmissões ou retransmissões”. Lei brasileira garantindo a uma organização internacional o monopólio de rendas relacionadas com eventos acontecidos no país. 
O orçamento da FIFA para 2011-2014 estima uma receita de quase quatro bilhões de dólares. Feliz com esses resultados, Blatter aumentou a contribuição da FIFA para as seis confederações regionais: dois milhões e meio para cada uma. Aumento pequeno. Quinze milhões, no total, ou menos de meio por cento do mencionado orçamento. Agregue-se a essa “magnífica esmola”, outras, bem menores, de 250 mil dólares para cada federação ou confederação nacional.
Há uma contradição entre o caráter autocrático da FIFA, as frequentes acusações de corrupção a seus próceres, suas altas receitas, os salários não revelados dos seus dirigentes, a sua conivência com regimes repressivos, a sua insensibilidade em relação às pesadas consequências sociais de gastos desnecessários, de um lado, e os ideais modestos, socialmente igualitários, contra a corrupção e de construção, talvez ingênua, de uma nova democracia, dos manifestantes fora dos estádios. 

GLÁUCIO SOARES

 

 

Os trilhos da vida

Desde cedo, sem que tenhamos consciência disso, somos colocados em trilhos invisíveis que podem durar a vida inteira. Uns estão condenados a uma vida difícil e outros a uma confortável. O que somos e o que não podemos ser já foi decidido, mas não por nós. Herdamos muitos limites e oportunidades. Temos alguma escolha, mas não podemos escolher qualquer caminho. Escolhemos dentro de limites que não escolhemos. Educadores em vários países concluíram que a educação separa as pessoas desde cedo e que a alfabetização, os hábitos de leitura e o conhecimento são um caminho pelo qual muitas crianças carentes escapam dos piores trilhos. Por isso, propõem começar a intervenção cedo.
Bons governos pesquisam para formular políticas públicas. Magnuson e McGroder analisaram o efeito de dois programas sociais nos Estados Unidos: um enfatizava a educação das mães; outro o emprego e havia um grupo controle. O programa durou dois anos e revelou que a educação das mães se relacionava positivamente com o avanço das crianças. Pesava mais do que o emprego.
Os trilhos não são determinados por um fator só, num único momento: vão sendo construídos, com a participação das famílias, das escolas, dos colegas e da vizinhança, de todos os que formam o habitus de cada um. Rathbun e Hausken  avaliaram a participação das professoras e suas características, estudando a kinder de 2.826 escolas públicas e 417 privadas. Infelizmente, as escolas com maior proporção de crianças em situação de risco e mais alta percentagem das que não falavam Inglês eram as que mais necessitavam de atenção das professoras, também eram as que menos recebiam. A participação dos pais nas atividades escolares é menor nas escolas em áreas mais pobres.
Carreira e universidade são socialmente seletivas. Os trilhos também passam por universidades e cursos. No sistema brasileiro, há uma bifurcação inicial. Há carreiras com alto custo e maior dificuldade em entrar: os alunos mais pobres e os com menor capital cognitivo buscam as mais fáceis. Há uma seleção social entre carreiras caras e/ou mais exigentes, como medicina e engenharia, e as mais baratas e menos exigentes, como educação, enfermagem, direito e ciências sociais. As diferenças na composição social das carreiras são antigas e não foram criadas pelas cotas. Há um quarto de século dados relativos ao vestibular da UnB já mostravam que os estudantes das ciências exatas e de medicina tinham pontuação mais alta, inclusive nas perguntas sobre as ciências sociais.
Essa é a população que “chegou”, após um longo processo seletivo. Não vemos as que foram levadas por outros trilhos a outros destinos, com futuros limitados.
A universidade não zera as desigualdades entre seus alunos. Os trilhos invisíveis da vida continuam nela, separando os alunos. Chegam ao doutorado. No espaço respeitado do doutorado, outros trilhos vão segregando, separando.
Os contatos entre pais e filhos, particularmente ler para/com os filhos e contar histórias perpetuam diferenças educacionais entre classes e grupos étnicos e raciais. Uns participam; outros são omissos. As crianças vão entrando em trilhos diferentes, dos quais é difícil sair. Começam em casa.
Em 1999, a Shell Poll, revelou que os adolescentes que diziam que seus pais liam para/com eles estudavam mais: a diferença era de 64% a 46%, entre alunos que deveriam estar no mesmo nível. No Brasil, as desigualdades educacionais entre os pais são maiores, e seu impacto bem maior.
Alguns exemplos ajudam. Encontrei na PUCRJ duas alunas que me impressionaram pela seriedade: uma, de classe média alta, usufruía das vantagens do seu status, havia feito um estágio na Europa; a outra, moradora de uma favela, tinha uma das bolsas que a PUC oferece a membros de minorias. Houve concurso de interesse de ambas: a de família de classe média escrevia melhor, conhecia Inglês e Francês, tinha noções de Estatítisca e mente analítica. O resultado não poderia ser outro – ganhou a nascida na classe média. Até no doutorado há desigualdades difíceis de superar: a resistência a aprender métodos quantitativos; a ler em Inglês e a  ler várias horas por dia. Os alunos que cresceram em famílias sem hábito de leitura, enfrentam mais dificuldades. A democratização do ensino superior, um bem social em si, teve dificuldades não previstas, inclusive o crescimento do número de universitários sem hábito de leitura.
Muitos orientadores não se dão conta de que os problemas acadêmicos de muitos alunos têm origens extra-acadêmicas. Professores socialmente conscientes buscam a maneira de superar esses obstáculos, mas os reacionários abrem fogo contra a democratização e os ideólogos de esquerda  negam o fato.
Mas não é só o ”destino”. Fazemos escolhas. Duas estudantes nascidas em favela ilustram: uma teve uma oferta de  assistente de pesquisa, mas seus compromissos de ativista e seus imbroglios sentimentais impediram que ela cumprisse suas responsabilidades contratuais e foi despedida. Outra, também nascida em favela, teve oportunidade em área desejada, mas passou vários anos hesitando entre a área em que estava matriculada, teatro e música e perdeu a chance. Recentemente, tive dois bolsistas com todas as vantagens da classe média que foram reprovados e perderam a bolsa por problemas com drogas.
Os alunos fazem opções que conspiram contra o melhor aproveitamento nos cursos e do dinheiro público. A elevação das aspirações de consumo é um dos maiores empecilhos. As bolsas passaram a ser suplementação de renda.
Não é fácil zerar diferenças centenárias. Os programas visam diminuir a herança social que condena pessoas a seguirem rumos independentemente do mérito. Porém, em nome do mérito há analises que começam com os indivíduos já muito desiguais. Uma sociedade justa privilegia o mérito reduzindo a desigualdade de origem. Quando as pessoas são metidas em trilhos rígidos antes mesmo de nascer, não há igualdade de oportunidades.
Porém, os pais de hoje também nasceram desiguais, e assim por diante. Construiríamos uma história sem fim da desigualdade.  Sou mais crítico de amplos segmentos da classe média consumerista, que pouco lê e não acompanha os filhos em seus estudos.
O desejo de construir uma sociedade justa não passa pela absolvição de escolhas “erradas” dos atores atuais; passa pela igualdade das oportunidades, independentemente dos pais e da família.
O grande desafio do ensino superior é democratizar sem perder qualidade. Não é tarefa fácil.
Gláucio Ary Dillon Soares   IESP/UERJ