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Armas de fogo, idade e suicídio

Nos Estados Unidos, a presença de arma em casa é particularmente perigosa para os jovens. Birckmayer e Hemenway (2001) analisaram dados de duas fontes: os General Social Surveys de vários anos realizados pelo National Opinion Research Center, por um lado, e os dados de suicídio foram calculados a partir do National Health Statistics Mortality File. [i] Outras variáveis preditivas foram retiradas de fontes estatísticas federais.

A taxa de suicídios nos Estados Unidos, como no Brasil, mudou pouco de 1979 a 1994, oscilando, na maioria dos anos, entre 15 e 16 por cem mil habitantes. A percentagem dos suicídios que foram cometidos com armas de fogo é, comparativamente muito alta e também é relativamente estável, próxima a 60%. Estável e alta.

Os defensores das armas de fogo argumentam que a decisão do suicídio é inexorável e que, vedada a arma de fogo como instrumento, os suicidas estariam fadados a tentá-lo usando outros meios. Ou seja, a presença e/ou propriedade de armas de fogo seria irrelevante para o suicídio. Ele aconteceria de qualquer maneira. A pesquisa de Birckmayer e Hemenway contradiz esse suposto, pois encontrou uma correlação bivariada de 0,42 entre a percentagem das residências com armas de propriedade dos seus ocupantes e as taxas de suicídio. A associação é mais elevada, 0,60, com a taxa de suicídios com armas de fogo – como seria de esperar.  Em verdade, os dados dizem que uma queda de dez por cento na taxa de propriedade de arma de fogo na residência provocaria uma baixa de 3% na taxa de suicídios.

Os autores controlaram variáveis que se correlacionam com a taxa de suicídios: taxa de divórcios, educação, desemprego e urbanização. Controlando por idades, a taxa de propriedade de arma de fogo na residência[ii], a taxa de divórcios e a medida de educação são as variáveis que continuam a ter um valor preditivo numa regressão múltipla.


[i] Ver “Suicide and Firearm Prevalence: are Youth Disproportionately Affected?” em Suicide and Life-Threatening Behavior (11) Fall 2001.

[ii] Os autores usaram o logaritmo da taxa.

Homicídios na França

Publicado no Correio Braziliense, 03/01/2008
GLAUCIO ARY DILLON SOARES, Sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)

Pesquisa sobre os homicídios na França traz revelações importantes e, algumas, inesperadas. O objetivo era determinar o perfil sócio-demográfico dos homicidas e de suas vítimas. Há muitas semelhanças com o Brasil: 85% são homens e as mulheres, maioria na população, representam apenas 15% dos agressores. Mas a participação das mulheres varia com o local do crime, crescendo muito quando cometido no círculo familiar, em residências. Nesse contexto, os homens continuam sendo a maioria, mas a percentagem das mulheres é muito maior. As mulheres, claramente sub-representadas entre os agressores, são mais numerosas entre as vítimas (34%).
Outra semelhança com o Brasil se refere à idade dos condenados, que tendem a ser jovens adultos (ou nem tão jovens): dois terços entre 20 e 40 anos. Há alguma diferença no que concerne aos mais jovens: apenas 6% entre 13 e 18. O pico dos condenados na França está entre 20 e 24. Em 1990, o mais jovem condenado naquele país tinha 15 anos e o mais velho, 62. Na França, a idade mínima penal é de 13 anos.
Um dos problemas mais sérios, que é politicamente quente, é a participação dos estrangeiros na violência. Dependendo do ano, os forasteiros representavam entre 17% e 27% dos homicidas ou dos que tentaram matar alguém, mas apenas 10% da população.
Porém, em parte essa diferença poderia ser explicada pelo maior desemprego dos estrangeiros. No grupo de idade entre 15 e 24 anos, os estrangeiros matam mais do que os franceses. Mas há uma ampla maioria de trabalhadores manuais entre os agressores e mais desempregados em relação aos franceses.
A síndrome dos agressores fecha bem com o que acontece em vários países: 68% não têm qualquer diploma; apenas um em cinco chegou ao Certificado de Aptidão Profissional (CAP). Durante o período estudado, de 1987 a 1996, a França atravessou uma fase difícil, e apenas 39% dos agressores estavam na força de trabalho. É interessante notar que relativamente poucos estavam desempregados — cerca de 10% —, mas que muitos não integravam a População Economicamente Ativa (PEA). Simplesmente não trabalhavam.
Ficaram para trás educacionalmente e tropeçaram em suas carreiras e no trabalho.
Mas, em que trabalhavam? Entre os que trabalhavam, cerca de nove em 10 eram da classe trabalhadora, seja manual ou não, mal remunerada. A trama sócio-criminal é complexa, pois os que estavam empregados matavam, sobretudo, suas esposas e companheiras, ao passo que os desempregados e que não trabalhavam matavam estranhos ou conhecidos distantes.
E a família? Em países com baixa taxa de homicídios e com um sistema de proteção social mais amplo, como a França, a ruptura da família parece contar menos. A maioria dos homicidas cresceu em famílias completas, mas uma percentagem relativamente alta teve que lidar com muitas mudanças (passando de um lar para outro, de um contexto para outro): 28% do total. Outros 16% tinham sido referidos pelo serviço social do estado a um serviço ou família. Se, por um lado, as famílias incompletas não são tantas como se achava, por outro há um número grande de criminosos que cresceram numa família com muito conflito interno, inclusive com o agressor. Vinte e oito por cento tinham conflitos familiares que incluíam agressões físicas. As famílias também eram maiores do que a média do departamento: famílias grandes caracterizam migrantes e trabalhadores manuais.
A pesquisa foi feita no Departamento de Yvelines, por Laurent Mucchielli e Mireille Rabenoro, com base nos dados judiciais da Corte de Apelações de Versailles, e é uma das pouquíssimas pesquisas sobre homicídios na França. Mostra que há importantes diferenças no contexto e que situações locais devem ser incluídas na explicação.
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