A Idade Mínima Penal e a Redução do Achismo

Publiquei ontem, quinta, 22/02/2007 no Correio Braziliense:

A Idade Mínima Penal e a Redução do Achismo

O debate sobre a maioridade penal deve crescer, mas dificilmente sairá do “perímetro da ignorância”. As pessoas debatem sem conhecer as pesquisas e os dados. A senadora Patrícia Saboya Gomes declarou que reduzir a idade penal é “um retrocesso”. Por que seria um retrocesso? A civilização caminha para o aumento da idade penal? A senadora não diz porque. É retrocesso e pronto!

Afinal, o que pensa o mundo sobre a idade penal mínima? Há muitos países nos quais a idade mínima penal é de sete anos: Belize; Chipre; Gana; Irlanda; Liechtenstein; Malawi; Nigéria; Papua Nova Guiné; Singapura (um país importante porque reduziu dramaticamente a criminalidade sendo, hoje, um dos países mais seguros do planeta), África do Sul, Suiça e Tasmânia (na Austrália). Há outros dez países com nove anos. Oito países optaram pelos dez anos. Doze anos é a idade minima penal de sete países, incluíndo o Canadá, a Grécia e a Holanda; entre 13 e 14 anos há vários países europeus, como a França, a Áustria, a Alemanha, a Hungria e a Itália. Segundo Corinne Remedios, em seu trabalho sobre Hong Kong, The Age of Criminal Responsibility in Hong Kong, The Legal Issues, a Bélgica e o Luxemburgo teriam consagrado os 18 anos. O Brasil e a Colômbia também.

Nos Estados Unidos, cada estado tem jurisdição sobre a idade mínima penal. Num país que preza a responsabilidade individual e acredita que cada um deve assumir as conseqüências dos seus atos, a idéia de inimputabilidade até os 18 anos causa estranheza. O pesquisador Gregor Urbas do Australian Institute of Criminology preparou um excelente documento sobre o tema no qual chama a atenção que muitos estados não tem leis sobre a idade mínima penal. Em grande medida, isso apenas reflete o fato de que o sistema legal se baseia na jurisprudence, o conjunto de decisões judiciais, obedecida a hierarquia das leis. Esses dados não são evidência de que as leis americanas são mais duras. Um trabalho detalhado nesse sentido veria a jurisprudence de cada estado, e os resultados deveriam ser continuamente atualizados porque a jurisprudence é dinâmica e muda.

Por que pessoas com uma atividade parlamentar tão notável, exemplar mesmo, como a senadora Patrícia Saboya Gomes defenderiam uma posição que supõe um “evolucionismo” social e afirma que reduzir a idade mínima penal nos colocaria atrás? Creio que em grande parte isso se deve a que o conhecimento sobre o tema, que tem sido muito pesquisado, não chegou à avassaladora maioria da inteligentsia brasileira, que lê filósofos e ideológos, mas não lê a produção dos pesquisadores. Está por fora. Na perspectiva ideológica da senadora, a principal vertente na violência brasileira é a desigualdade social. Mas os dados provam que não é. A desigualdade, medida pelo Índice de Gini, mudou pouco em um quarto de século, nas décadas de 70, 80 e parte da década de 90. Não obstante, a taxa de homicídios aumentou retilinearmente, mais ou menos no mesmo rítmo. A desigualdade estacionou quase trinta anos e o homicídio cresceu durante esses mesmos anos. Ou seja, temos que buscar a explicação para o crescimento do homicídio em outro lugar.

A visão sobre-determinista do crime também parece afetar o Presidente da República e seu Senador Aluizio Mercadante, do PT de São Paulo, que usou de procedimentos legais, mas autoritários, para impedir a discussão e possível votação de um projeto que incluía a redução da maioridade penal. Baseados em quê? O achismo é generalizado. O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, disseram que reduzir a maioridade penal não “resolveria” a violência. Como sabem? Bola de cristal? Onde estão os dados?

A qüestão está mal colocada: não existe a possibilidade de “resolver a qüestão da violência” a curto prazo. Resta saber se essas medidas reduziriam significativamente a violência, se salvariam vidas, se fariam justiça. Do outro lado do debate, a extrema direita propõe a pena de morte e a revogação do Estatuto da Criança e do Adolescente, tout court. Quer sangue. Tudo no âmbito da ideologia, da raiva e da emoção. Achismo puro.

Por que líderes políticos e a inteligentsia nacional se pronunciam sobre temas tão relevantes sem fazer o dever de casa? A redução da violência não é tarefa impossível: o Estado de São Paulo, com governo tucano, reduziu dramaticamente as taxas de homicídio e de outros crimes a ponto de passar a ser citado como um exemplo no plano internacional. Usou, principalmente, o que há de melhor na Ciência Policial e pouco de prevenção social; a Prefeitura de Diadema, que é petista, também reduziu drasticamente suas taxas de homicídio e de violência doméstica, usando um programa suplementar, basicamente de prevenção, no qual se destaca a Lei Seca. Brigam na política, mas acertam na segurança. Resultado: há mais segurança em São Paulo e em Diadema (e em muitos outros municípios paulistas). Há muitos exemplos fora do Brasil de endurecimento das leis e de abrandamento delas, mas o conhecimento derivado das pesquisas sobre elas não encontrou o caminho das leituras feitas pela nossa inteligentsia.

Infelizmente, talvez saiamos dessa onda de fervor (até a próxima barbárie) sem responder à pergunta: afinal, com que idade o brasileiro de hoje adquire o sentido do bem e do mal, de que o que faz é crime?

GLÁUCIO ARY DILLON SOARES


O tema da maioridade penal foi tratado em outras páginas. Abaixo estão algumas (para vê-las, clique em cima do nome:

O mapa da maioridade penal
http://conjunturacriminal.blogspot.com/2007/03/o-mapa-da-maioridade-penal.html
Violência juvenil: exemplos e falta de dados
http://conjunturacriminal.blogspot.com/2007/03/violncia-juvenil-exemplos-e-falta-de.html
A Idade Mínima Penal e a Redução do Achismo
http://conjunturacriminal.blogspot.com/2007/02/publiquei-ontem-quinta-22022007-no.html
Exemplos da dureza das leis e seus efeitos
http://conjunturacriminal.blogspot.com/2007/02/exemplos-da-dureza-das-leis-e-seus.html
A Idade Mínima Penal
http://conjunturacriminal.blogspot.com/2007/02/idade-mnima-penal_17.html
Na Nova Zelândia a idade mínima penal de 14 pode ser demais
http://conjunturacriminal.blogspot.com/2007/02/na-nova-zelndia-idade-mnima-penal-de-14.html
Idade mínima penal nos estados americanos
http://conjunturacriminal.blogspot.com/2007/02/idade-mnima-penal-nos-estados.html
Maioridade Penal da Nova Zelândia e a “Doli incapax rule”
http://conjunturacriminal.blogspot.com/2007/02/maioridade-penal-da-nova-zelndia-e-doli.html
Idade mínima penal
http://conjunturacriminal.blogspot.com/2007/02/idade-mnima-penal.html

2 comentários em “A Idade Mínima Penal e a Redução do Achismo

  1. para evitar os problemas relacionados com a delinqueência juvenil, devemos apostar em programas de prevenção social (saúde, educação, ocupação dos tempos livres etc…) e de prevenção situacional, ao mesmo tempo que se apela à participação de todos os actores sociais (família, escola, associações, etc..). havendo todo um conjunto de valores que deve ser interiorizado desde muito cedo, porque a partir do momento em que os jovens ingressam no mundo do crime é muito dificil o retrocesso, evoluindo de patamar em patamar, até que desembocam no mundo do crime organizado, quando não se perdem pelo caminho da droga, ou são apanhados no meio do fogo cruzado.

  2. para evitar os problemas relacionados com a delinqueência juvenil, devemos apostar em programas de prevenção social (saúde, educação, ocupação dos tempos livres etc…) e de prevenção situacional, ao mesmo tempo que se apela à participação de todos os actores sociais (família, escola, associações, etc..). havendo todo um conjunto de valores que deve ser interiorizado desde muito cedo, porque a partir do momento em que os jovens ingressam no mundo do crime é muito dificil o retrocesso, evoluindo de patamar em patamar, até que desembocam no mundo do crime organizado, quando não se perdem pelo caminho da droga, ou são apanhados no meio do fogo cruzado.

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