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Drogas e violência na Paraíba

Violência, tráfico de drogas e homicídios na Paraíba

Escrito e enviado por
Por José Maria Nóbrega, professor e pesquisador da UFCG


Em matéria publicada em jornal de grande circulação no estado da Paraíba, foi divulgada a notícia na qual há oferta – com demanda também crescente – cada vez maior de drogas no sertão e na capital paraibanos. Estimulado por tal informação, fui analisar mais pormenorizadamente os dados de violência de alguns municípios os quais foram citados na matéria como sendo os mais críticos.

“No caso do Sertão, nas cidades de São Bento, Patos, Santa Luzia e Princesa Isabel existiria o maior fluxo de entorpecentes. Nos locais onde existirem consumidores os traficantes chegam. As drogas estão cada vez mais sendo transportadas para o interior, porque lá as pessoas também têm poder aquisitivo. Um exemplo é a cidade de São Bento, onde há uma forte movimentação de dinheiro do comércio de redes e por conseqüência tem crescido também o tráfico de cocaína”, afirmou um delegado do GOE paraibano.

As afirmações acima são muito importantes por dois motivos:

1. o crime migra, e isso vem ocorrendo no Nordeste inteiro como conseqüência da diminuição dos espaços no Sudeste (sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo);

2. a relação com a pobreza é nula. Ao contrário do que se pensa, a diminuição dela também vem estimulando o consumo de drogas.

Claro que a pobreza é um mal que deve ser extirpado da sociedade brasileira, contudo, no que tange à violência, o simples fato de arrefecê-la não traz relação causal com a violência.

Utilizando o exemplo citado pelo delegado do GOE, analisarei brevemente os dados de homicídios de São Bento e Patos, cidades sertanejas que vêm tendo destaque também na violência homicida. As mortes resultadas de agressão, sobretudo de arma de fogo, nessas cidades cresceram significativamente.

São Bento tem uma taxa de 49,4 homicídios por cada grupo de cem mil habitantes (dados de 2009) – quase cinco vezes maior do que o tolerável, segundo as Nações Unidas e a Organização Mundial de Saúde. Foram 15 pessoas assassinadas em 2009, em 2008 foram quatro mortes desse tipo, ou seja, mais que triplicou os números absolutos de homicídios nessa cidade de um ano para o outro.

Outra cidade importante do sertão paraibano, Patos, aparece em situação semelhante à de São Bento. Entre 2005 e 2009 houve crescimento linear nos seus números de homicídios, saltando de 12 assassinatos, em 2005, para 58 em 2009. Situada em nono lugar no ranking das cidades mais violentas por taxas de homicídios na Paraíba, Patos tem uma taxa de 51,6 homicídios por cem mil habitantes. Ou seja, a violência é crescente e visível, mas pode ser controlada. Porém, tem de ter vontade política!

Dito isto, algumas hipóteses podem ser levantadas:

1ª. Há oportunidade potencial em cidades do sertão paraibano para a prática de tráfico de drogas, comércio ilegal de armas, roubos e assaltos;

2ª. Com espaços abertos ao tráfico de drogas e a facilidade de se levantar recursos advindos dos roubos e assaltos (devemos destacar as explosões contínuas dos caixas eletrônicos), crimes como os homicídios tendem a crescer;

3ª. A marginalidade com maior poder econômico, a formação de grupos organizados criminosos, fica mais fácil o recrutamento de agentes corruptos do estado para a facilitação de suas atividades criminosas.

As instituições responsáveis pela segurança pública devem criar estratégias que superem as políticas públicas concentradas na região metropolitana (grande João Pessoa) e foque, também, nas cidades do interior, sobretudo aquelas com histórico de tráfico e de violência homicida crescente. Como pude ver na matéria, a polícia tem informações importantes que serão valiosas para uma política de gestão pública democrática na área da segurança pública. A sociedade paraibana clama pela redução dos espaços para a criminalidade e isso é perfeitamente possível!


O país dos favores

Recebi do Jorge Zaverucha. publicado em O ESP 18 set 2010

O país dos favores

18 de setembro de 2010 | 0h 00

Roberto Romano – O Estado de S.Paulo

“Tudo foi feito por amizade, favores”
Ana Maria Caroto Cano,

justificando a quebra ilegal de sigilo alheio

A frase acima, de funcionária da Receita Federal, sintetiza a cultura política do Brasil. Nascemos para o mundo sob o regime absolutista, no qual as funções de Estado foram monopolizadas pelo rei. Ele as cedia em troca de dinheiro, mas as exigia de volta a qualquer instante. Permanecer num cargo público significava favor real. O soberano concentrava alguns monopólios do poder: o controle da força física na guerra e na polícia. Além disso, só o Estado editava leis para o reino e se reservava a arrecadação dos impostos. Mas para garantir fidelidade o soberano comprava o apoio da nobreza, força dominante  no sistema feudal, e da hierarquia religiosa. Privilégios, isenções e prebendas conseguiam a obediência, em consonância com o monopólio do poder. Nobres, padres, burgueses, somados às camadas populares, todos e tudo tinham seu preço.
O nome da cooptação era “favor”.

Os monopólios reais concentravam as políticas e as finanças públicas na Europa, inclusive em Portugal. O mesmo ocorria nos elos entre a colônia portuguesa e a corte. Os impostos seguiam para o rei, que os distribuía de acordo com a sua política. Nos países absolutistas, as cidades dificilmente
auferiam retorno dos impostos. Trazer-lhes algo do butim financeiro era prerrogativa de pessoas ou grupos influentes, os quais deviam favores entre si e ao monarca.

Outra marca do absolutismo reacionário é o nome de “pai” atribuído ao chefe de Estado. O atual presidente dá a si mesmo esse título e outorga à sua possível sucessora a maternidade política sobre o povo. Assim, ele retoma Tiago I, o teórico Robert Filmer (no livro Patriarca, ou sobre o Poder Natural do Reis) e todos os conservadores idolatrados pela TFP. Sem falar nos ditadores como Vargas e os Peróns.

Dados a enorme extensão territorial do Brasil e os parâmetros absolutistas, as nossas políticas públicas – e a maioria dos impostos – foram açambarcadas pelos dirigentes, em Lisboa e depois na corte nacional. Impostos não retornavam (nem retornam) aos municípios. Maria Sylvia Carvalho Franco expõe a lógica do nosso Estado a partir daí. Com a penúria de recursos, municípios apelaram para técnicas de administração alheias aos limites entre o público e o privado.
Vereadores emprestavam de seu bolso às cidades para efetivarem obras. Urbes sem cemitério, escolas, estradas, hospitais foram “beneficiadas” pelos empréstimos.
Breve, diz a autora, veio a contrapartida: se quando o município precisa eu faço o favor de emprestar, quando eu preciso o município deve comparecer. Maria Sylvia Carvalho Franco relata casos como o do tesoureiro que jogava com a arrecadação no fim do mês. No outro, ele devolvia as somas. Processado, estranhou muito porque , na sua mente, o errado não seria pegar emprestado, mas não pagar (Homens Livres na Ordem Escravocrata).

Criou-se o solo político onde quem exerce o cargo público imagina a si mesmo, no mínimo, locatário e, não raro, proprietário da função. Tal crença vai dos altos postos executivos e legislativos (passando pelo Judiciário) aos baixos.
Dali ruma para os eleitores. Estes últimos esperam do deputado, senador, governador, presidente e quejandos que eles prestem “favores” liberando obras para as cidades. E os primeiros, fiéis adeptos do tesoureiro citado, julgam legítimo apropriar-se de parte significativa dos recursos em troca dos
“benefícios” que trazem para as bases. E nem mencionemos a fieira de bondades praticadas nos cargos públicos, desde indicações para empregos até isenção de impostos para quem investiu na campanha eleitoral.

Aquela funcionária da Receita age segundo a ética que deu nascimento ao Estado brasileiro. Ela julga, como parte de seus pares em todos os Poderes, que o cargo lhe pertence, bem como as informações que nele circulam. E imagina prestar favores aos amigos. Mas, como nos tempos do rei, nenhum favor é gratuito, tendo sua contrapartida em novos préstimos ou pecúnia. A confusão
entre público e privado seria atenuada se ausente dos setores mais elevados do poder federal, estadual, municipal. Mas ocorre o contrário: os de baixo escalão imitam os que estão situados no topo. Todos os presidentes, governadores, senadores e deputados federais usam impostos para convencer os votantes sobre o “favor” devido à sua benevolente vontade.
Nada estranho, pois, que o sr. Luiz Inácio da Silva mova o recurso em prol de si mesmo, de seu partido, de sua candidata.

Notícia deste jornal (13 de setembro) relata que em Santa Catarina, “referindo-se aos rivais na corrida presidencial, Lula voltou a afirmar que jamais na história o Estado recebeu tantos recursos quanto em seu governo. Enumerou R$ 1,2 bilhão em ajuda aos atingidos pelas enchentes de 2008, os R$ 129 milhões para obras de reconstrução das rodovias atingidas e os R$ 348 milhões destinados para a reconstrução do Porto de Itajaí, além de recursos repassados para a construção de quase 4 mil moradias no programa Minha Casa, Minha Vida.
“Eu desafio qualquer um a provar se na história de algum governo passado já repassou tantos recursos para Santa Catarina como nós fizemos. O dinheiro veio. Se ele não foi aplicado da forma como deveria, é outra história.”” E também citou: “No meu governo São Paulo recebeu mais dinheiro do que na época que era governado por Mário Covas e tinha o FHC como presidente.”

O dinheiro não é do presidente, mas dos contribuintes, que aderem a todos os partidos, ideologias ou crenças religiosas. O sigilo não pertence à Receita, mas aos que pagam impostos. O resto é absolutismo anacrônico, mesmo quando aplaudido por nobres e pobres, numa República apodrecida pelo favor.

A CRISE DO JUDICIÁRIO

Versão simplificada deste artigo foi publicada no Caderno Mais+, Folha de São Paulo, 20 de julho de 2008

1 – A Justiça brasileira é elitista?
Essa pergunta pode ser entendida de diversas maneiras. Se “ser elitista” se refere ao recrutamento dos membros do judiciário, então a justiça é muito elitista, devido à composição socioeconômica de seus membros, que é muito alta. Porem, isso apenas reflete o caráter socialmente seletivo das profissões universitárias mais exigentes;
Não obstante, se por “elitista” entendermos que as pessoas pobres têm risco mais alto de
a) serem condenadas;
b) cumprirem pena e
c) cumprirem penas mais longas,
Então, sem dúvida a justiça é elitista. As estatísticas existentes são escassas e não confiáveis, mas bastam para ilustrar isso. Sérgio Adorno demonstrou que o simples poder de contratar um advogado privado reduz o risco de condenação;
Porem, se entendermos que os juízes são muito influenciados pela situação de classe dos acusados e de suas vítimas, devido a seus valores, percepções e preconceitos, é possível que sim, mas não de maneira ostensiva e com muita variação entre os juízes. Muitos processos chegam ao judiciário com vícios de classe; particularmente na justiça criminal, os juízes não acompanham o caso desde o ponto zero. Trabalham em cima dos inquéritos policiais, que já trazem no bojo fortes vícios de classe. Muitas decisões importantes são tomadas pelos delegados. Em muitos países, o Ministério Público conduz parte do inquérito e, em alguns, chegam a ter escritórios próximos do equivalente aos nossos delegados. Passar a função de acompanhar os inquéritos para o Ministério Público reduziria o tempo dos trâmites e retiraria parte do que considero um poder excessivo dos delegados.

2 – O Judiciário vive uma crise no Brasil? Em caso positivo, qual a solução para ela?
Há uma crise de credibilidade, que não é só do Judiciário, mas de todas as instituições públicas. As pesquisas mostram que a população não confia nelas. Até que ponto o descrédito do Judiciário se deve ao descrédito maior, do setor público, é difícil dizer. Parte do problema deriva das leis, que são muito arcaicas; o desprestígio do judiciário deve ser avaliado no contexto de leis que favorecem as delongas e a impunidade. Contudo, parte do desprestígio deriva do afastamento do Judiciário em relação à população, com a construção de prédios caros, ostentosos, num país em que há dezenas de milhões de pobres. O Judiciário perdeu a sua mágica, o seu apelo, porque seu padrão de vida se afastou demasiadamente do da média da população.

3 – O Judiciário precisa de controle externo? Em caso positivo? Como fazê-la?
Existe uma doutrina, chamada de “checks and balances”, que ensina que para que a democracia funcione bem, o poder dos quatro poderes (incluindo o militar) tem que ser limitado e vigiado pelos demais. Um poder vigia o outro e nenhum pode ser irresponsável, não dar contas a ninguém, e todos devem ter uma jurisdição limitada e definida. Quando um poder cresce e invade as atribuições de outros, a democracia sofre. Exemplos recentes são o Peru de Fujimori e a Venezuela de Chávez. No Brasil, a invasão mais séria não foi de pessoas, mas do estamento militar. Existe uma questão essencial para a democracia moderna que é a da accountability. Todos os poderes devem explicar as suas ações, devem ser responsáveis por elas. Essas exigências encontram obstáculos culturais e institucionais em países com uma herança corporativista. A nossa é pesadíssima e cada poder protege seus membros alem da razão e, às vezes, alem da decência. Essa herança favorece a invasão da jurisdição alheia. Temos, sempre, problemas de fronteiras internas, funcionais, entre poderes. Essa confusão no que concerne os limites do poder de cada um foi evidente no encontro do Presidente do Supremo, do Ministro da Justiça e do Presidente da República. O encontro não tinha razão de ser: o STF não é subordinado à Presidência da República. É um poder independente. Essas invasões não acontecem apenas entre poderes, mas também dentro de poderes, quando um nível invade a jurisdição de outro, do mesmo poder, fazendo caso omisso do processo e de suas instâncias. É o que está acontecendo.
Esses conflitos internos se vinculam à sua primeira pergunta, pois enquanto os de cima entram em conflito entre si, cada um tentando aumentar seu poder e seu “pedaço”, a relação desses poderes com a cidadania continua esquecida. Continua, para quem quizer ver, a discrepância entre a ostentação do estado, por um lado, e a pobreza e a impotência da cidadania, pelo outro.