Arquivo da categoria: a américa latina e a mídia

Os blogs em 2011

Há muitas diferenças entre os blogs.

Os mais exitosos foram sobre o câncer da próstasta: juntos. cerca de 700 000 acessos; há vários que não decolararam, dois que foram “invadidos” pelos anúncios pornográficos e tive que bloquear. Os dois sobre suicídios são quase constates. Juntos. perto de cem mil. Espero que tenham ajudado muita gente e salvo algumas vídas. É informativo, com ênfase na prevenção. Doi quando leio cartas solicitando instruções sobre como suicidar-se. Os dois blogs criados sobre os derrames, resposta ao sinal de alerta que me foi enviado pelo Padre Airton Freire, servo, tinham um público não trabalhado e cerca de 64 mil páginas visitadas; os dois blogs sobre Conjuntura Criminal começaram bem, mas decaíram, em grande parte porque diminuí o noticiário elaborado que, por sua vez, foi uma decisão baseada no crescimento de bons blogs na área. Estou repensando-os, possivelmente como blogs dirigidos mais para uma elite intelectual e profissional. Menos leitores, mas leitores influentes. Alguns não vingaram e já os terminei; outros andam em nível mais baixo. Tenho que optar. Os blogs não são opinativos, mas implicam em uma varredura das publicações qualificadas sobre um tema, escrever o blog com gráficos que tenho que criar e introduzir (que requerem muito trabalho) isso tudo numa linguagem accessível. 

Em síntese, é muito trabalho. E as dificuldades são grandes. Algumas publicações são pagas e as da área médica são caras; vivo envenenando meu computador de alguns anos, mas é claro que preciso de um mini-servidor. Os mini-servidores não são a entidade cara e assustadora que muitos pensam. Ando namorando um suéco, planejado para rodar em Linux, chamado de Excito B3 que, com wi-fi vende por 365 euros. Outro problemas é como trazê-lo…

Em exatamente um mês terei minha consulta semestral no Sloan Kettering. Aos 77 tenho que viajar na classe executiva, onde viaja o pessoal que tem grana… Ou o tratamento continua como está com seus moderados efeitos colaterais, ou muda para outro, antihormonal, com efeitos bem piores, o que iniciaria tratamentos de menor eficácia (menor extensão da sobrevivência) e efeitos coletarais muito piores.

e sou pai de cinco, avô de cinco, marido de uma (é verdade), pesquiso, oriento, pesquiso, trabalho, pewsquiso, dou aulas, pesquiso, escrevo artigos científicos, pesquiso… e ainda não resolvi um só problema filosófico relevante. Mas o quase milhão e meio de leitores e o sonho de estar ajudando milhares ou centenas de milhares, nem que seja um pouco, faz com que tudo valha a pena. 

Um abraço a todos e, parodiando o padre Aírton Freire, Feliz 2012, 2013, 2020, 2040, 2100… Se festejaram o Natal, meditem, ainda que retroativamente, sobre o aniversariante.

 

Os dados seguem abaixo. São totais cumulativos, a partir do momento em que comecei a blogá-los.

GLÁUCIO SOARES                              IESP/UERJ

 

 

 Apply Changes

  Today Yesterday This Month Total  
2 20 33 56,372 Delete
0 0 0 985 Delete
0 0 0 0 Delete
2 35 49 144,099 Delete
26 401 640 350,670 Delete
36 192 311 345,930 Delete
26 400 637 319,771 Delete
6 48 78 20,850 Delete
5 45 62 43,533 Delete
0 0 0 23 Delete
0 17 36 74,641 Delete
7 66 115 90,466 Delete
0 4 18 4,260 Delete
  110 1,228 1,979 1,4

A banda podre do Judiciário

Folha de São Paulo
Órgão do Conselho Nacional de Justiça amplia alcance de investigações contra acusados de vender sentenças
Corregedores têm apoio de órgãos federais para examinar declarações de bens e informações de contas bancárias
FREDERICO VASCONCELOS
DE SÃO PAULO
O principal órgão encarregado de fiscalizar o Poder Judiciário decidiu examinar com mais atenção o patrimônio pessoal de juízes acusados de vender sentenças e enriquecer ilicitamente.
A Corregedoria Nacional de Justiça, órgão ligado ao Conselho Nacional de Justiça, está fazendo um levantamento sigiloso sobre o patrimônio de 62 juízes atualmente sob investigação.
O trabalho amplia de forma significativa o alcance das investigações conduzidas pelos corregedores do CNJ, cuja atuação se tornou objeto de grande controvérsia nos últimos meses.
Associações de juízes acusaram o CNJ de abusar dos seus poderes e recorreram ao Supremo Tribunal Federal para impor limites à sua atuação. O Supremo ainda não decidiu a questão.
A corregedoria começou a analisar o patrimônio dos juízes sob suspeita em 2009, quando o ministro Gilson
Dipp era o corregedor, e aprofundou a iniciativa após a chegada da ministra Eliana Calmon ao posto, há um ano.
“O aprofundamento das investigações pela corregedoria na esfera administrativa começou a gerar uma nova onda de inconformismo com a atuação do conselho”, afirmou Calmon.
Esse trabalho é feito com a colaboração da Polícia Federal, da Receita Federal, do Banco Central e do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que monitora movimentações financeiras atípicas.
Os levantamentos têm sido conduzidos em sigilo e envolvem também parentes dos juízes e pessoas que podem ter atuado como laranjas para disfarçar a real extensão do patrimônio dos magistrados sob suspeita.
Todo juiz é obrigado por lei a apresentar anualmente sua declaração de bens ao tribunal a que pertence, e os corregedores do CNJ solicitam cópias das declarações antes de realizar inspeções nos tribunais estaduais.
Nos casos em que há sinais exteriores de riqueza, omissões ou inconsistências nas informações prestadas à Receita Federal, os corregedores têm aprofundado os estudos sobre a evolução patrimonial dos juízes.
O regimento interno do CNJ autoriza os corregedores a acessar dados sigilosos sobre o patrimônio e a movimentação financeira dos juízes. O regimento foi aprovado pelo próprio CNJ, na ausência de uma lei específica que defina os limites de sua atuação.
O advogado criminalista Alberto Zacharias Toron acha que nada impede que o conselho tenha acesso direto a essas informações.
“A Constituição prevê que o CNJ é órgão da cúpula do Judiciário e não faz sentido o conselho ter que pedir autorização para um juiz de primeira instância, por exemplo, para obter a quebra de um sigilo bancário ou fiscal”, afirmou Toron.
O criminalista Celso Vilardi discorda. “O CNJ tem competência para conduzir processos administrativos”, disse o advogado. “Para obter dados que são inerentes às investigações criminais, como a quebra de sigilos, só com autorização judicial”.
Colaborou FLÁVIO FERREIRA, de São Paulo
Essencial punir os juizes criminosos – sem cometer injustiças.
GLAUCIO SOARES      IESP/UERJ

O Rio de Janeiro tem jeito!

O Rio de Janeiro passou, em algumas décadas, da próspera capital da República a um símbolo da decadência no Brasil. A transferência da capital e a unificação do estado, feitas por razões de conveniência política, minaram a cidade. Em tempos atuais, abutres de outros estados procuram usurpar os frutos do pré-Sal que pertence aos estados litorâneos do Sudeste. Mas não há sudestinos, e como não há uma identidade, não há uma política regional dos estados que compõem o Sudeste. Separados, estamos perdendo para os comedores de carniça.

O Rio de Janeiro vivia no passado, tendo perdido boa parte da influência política e econômica. Sem presente e sem futuro, o passado era o tempo obrigatório em que os verbos eram conjugados. O Rio foi; o Rio era… A decadência era o símbolo da cidade. Administrações estaduais e municipais ineficientes, algumas marcadas pela corrupção, pouco fizeram para recuperar o Rio. Com a corrupção, que chegou a minar a confiança dos cariocas nos seus governantes e na sua própria polícia, vieram suas companheiras inseparáveis, a droga e a violência.

Em poucos anos, o Rio ficou irreconhecível. O medo, sentimento de menor importância para nós que nascemos e crescemos nessa cidade há muitas décadas, passou a acurralar a população.  O Rio tornou-se cheio de bolsões de violência, de lugares proibidos, de horas perigosas. E as estatísticas mostravam o preço que estava sendo pago pela população do estado, em geral, e da cidade, em particular. Cresceram os crimes, explodiu a violência. Acompanhando Bogotá, o Rio de Janeiro se transformou em símbolo do que há de pior: corrupção, ineficiência, incompetência e violência. Explodiram os homicídios. Muitos concluíram, como chegaram a afirmar os amigos peruanos, “no hay salida”. Não tem jeito. Em Bogotá, três administrações, duas de Antanas Mockus e uma de Enrique Peñalosa mostraram que dar a volta na história e recuperar uma cidade era uma tarefa possível.   

A decadência era visível em todas as partes, inclusive nos hospitais e postos de atendimento. Até pouco tempo atrás, um problema visitava a as matérias de realce da mídia carioca: os recursos hospitalares, que já eram escassos, eram consumidos pelo tratamento das vítimas da violência. Não sobravam médicos; não sobravam enfermeiras; não sobravam leitos, nada: os recursos eram – e tinham que ser – absorvidos em grande parte por vítimas necessitadas de cuidados imediatos, com um tiro no peito. Fora dos hospitais, filas gigantescas de pacientes comuns, alguns urgentes, mas vítimas de doença insidiosa e não da violência.

Mas tem jeito, sim. Em menos de cinco anos, o quadro mudou. Nas quatro dos maiores hospitais com emergências especializadas (capitaneadas pelo Souza Aguiar e pelo Miguel Couto), o atendimento a baleados caiu quase pela metade, comparando o período de janeiro a março desde ano, inclusive, com de 2009. De acordo com a reportagem d’O Globo, as vítimas letais de armas de fogo que morreram nos hospitais públicos e privados da cidade do Rio de Janeiro caíram 41%.

Olhando em detalhe para os números absolutos, vemos que quase trezentas vidas humanas foram salvas somente nesse período.

Embora, sabidamente, o atendimento hospitalar brasileiro, dos estados e dos  municípios esteja em níveis muito baixos, as estimativas para o Rio de Janeiro  mostram uma situação muito melhor, sem aumento de recursos (que continua necessário para que atinjamos níveis civilizados). Um paciente de trauma custa caro, podendo chegar a alguns milhares de reais por dia, tudo incluído. Esses recursos estavam sendo tirados de outras áreas, cujo atendimento ficou mais e mais deficiente. As fotos de pessoas chegando de madrugada ou na noite anterior na ânsia de garantir vaga, de pessoas desfalecendo nas filas e até morrendo nelas estão gravadas nos olhos de todos os que lêem jornais, assim como nos dos que vêem televisão.

E as estatísticas demonstram a queda da violência em todo o estado, particularmente do pior dos crimes, o homicídio. Morre-se menos, vive-se mais e com menos medo.

O Rio de Janeiro começa a reacender a esperança no coração dos seus cidadãos. Em boa hora, Fabio Giambiagi e André Urani captaram esse momento noseu livro Rio: A hora da virada.

Sob o olhar atento e ganancioso dos abutres, estamos dando a volta na história. O Rio de Janeiro tem jeito.

GLÁUCIO SOARES

IESP/UERJ


A pena de morte nos Estados Unidos

Ter valores únicos não é uma peculiaridade americana: todos os países têm valores que formam uma configuração única. O que confere excepcionalidade aos Estados Unidos? Serem tão diferentes dos demais países que compunham o chamado Primeiro Mundo. Constatada a força homogeneizadora da industrialização, da urbanização e da globalização, o país que liderou esses processos durante décadas (e ainda exerce considerável liderança) diverge da média. Essas forças não conseguiram mudar muito a herança cultural americana, levando Lipset a, em 1996, publicar American Exceptionalism onde forneceu dados para demonstrar essas diferenças: filho de sindicalista, enfatizou que menos de metade dos americanos sindicalizados favoreciam a obrigação do governo em prover um nível de vida decente para os desempregados. Na Alemanha, Inglaterra e Itália a variação era entre dois terços e três quartos.

Os impostos são vistos como um inimigo. Roosevelt se chocou com uma muralha para criar o imposto de renda. Mesmo antes de Reagan (1981), os Estados Unidos tinham impostos mais baixos, um “welfare state” muito limitado, quase não tinha indústrias públicas e não havia uma só universidade federal. .Somente 31% do PIB americano vinha dos impostos, em contraste com 52% na Suécia e 48% na Holanda.

Essas seriam parte e decorrências do “credo americano”: governo pequeno, individualismo (que inclui responsabilidade irrestrita pelas próprias ações) e igualdade de oportunidades (lembro: não igualdade, igualdade de oportunidade) entre outros. Esse é um credo político que se chocou (e continua se chocando) com valores da sociedade americana.

E o que têm o credo político e os valores da sociedade americana a ver com a pena de morte?

A maioria dos americanos a favorece. Porém, o apoio à pena de morte varia muito. Para compreender a variação devemos conhecer a muralha racial do país, assim como seu extremo individualismo. Em 1992, Andrew Hacker, publicou um livro, Two Nations, Black and White, Separate, Hostile, Unequal, ponto de partida para quem quiser entender o apoio (ou rejeição) à pena de morte. Há outros fatores. O cerne do credo americano inclui a igualdade da oportunidade, governo pequeno, dependência de si mesmo, e iniciativa individual. Indivíduos são premiados e punidos pelo que fazem. Indivíduos competem pelos benefícios distribuídos pelo país; para que a competição seja justa, devem ter chances, oportunidades, iguais. Os americanos não são contra a desigualdade, são contra a desigualdade já na origem. Porém, sabem que esse é o calcanhar de Aquiles da doutrina. Há uma desigualdade de oportunidades que começa antes do nascimento,uma desigualdade estrutural: negros nascem em famílias mais pobres, em partes das cidades mais pobres, nas regiões mais pobres, estudam em piores escolas. A família, influente, ficou de fora do credo político. Entra nas analises, mas dividindo a teoria. As famílias negras transmitem mais mais desvantagens: menos estáveis, com mais filhos, com menos tempo para educar em casa, com desemprego mais alto e muito mais. E a maioria com renda mais baixa. Esses dados provocaram uma cisão ideológica: os defensores à outrance da igualdade de oportunidades defendem a tese de que crianças e pré-adolescentes negros não devem ser prejudicados pelos erros e deficiências de gerações anteriores e propõem medidas corretivas; seus oponentes afirmam que a sociedade não pode ser penalizada pelos erros de outros, brancos ou negros.

Porém, a igualdade de oportunidades, ainda que imperfeita, exige a responsabilidade individual. Cada um deve pagar pelo que faz. Esse pensamento influi sobre a responsabilidade penal. Os americanos são uma sociedade profundamente cristã em seus valores básicos, inclusive o livre arbítrio. Há contradições e hipocrisia, mas o pensamento dominante é cristão e aposta no livre arbítrio.

Muitas sociedades, inclusive as latino-americanas, são católicas e, teoricamente, também acreditam no livre arbítrio. Não obstante, nelas entra em ação outra variável: são sociedades mais dependentes da elite educada, na qual explicações deterministas de vários tipos vicejam e marcam a cultura e as leis. Gera um contraste com as sociedades anglo-saxãs, onde a idéia de que alguém seja socialmente obrigado a cometer um crime é absurda. A inimputabilidade existe na legislação, mas não entrou pelo lado social ou econômico, e sim pelo lado psicológico e psiquiátrico. Lembro que a idade mínima legal nos Estados Unidos e na Europa é muito mais baixa do que no Brasil: sete anos na maioria dos estados americanos, oito na Escócia, dez na Inglaterra, em contraste com 18 no Brasil (assim como era na Colômbia e no Peru).

.E a pena de morte? Há dados relativos à própria pena de morte, sem os que não entenderemos sua sobrevivência, mesmo considerando o credo político americano:

  • Ela não existe em todos os estados (há em 35; não há em 15);
  • .Não há uma avalanche de execuções (houve 1816 execuções desde 1976, média de 52 por ano, entre um terço e a metade das pessoas assassinadas em um só dia no Brasil);
  • As execuções são regional e estadualmente concentradas: 88% ocorreram no Sul, noTexas e na Virgínia;
  • Tem um forte viés de gênero: 0,007 das execuções foram de mulheres;
  • A pena de morte é racista: foram executados 249 negros pelo assassinato de brancos e 15 brancos pelo assassinato de negros. Ainda que mais negros matem brancos do que vice-versa e o viés esteja declinando, ele não acabou.
  • As execuções não devem ser confundidas com pessoas condenadas à pena de morte: em 2009 havia 3.261 no death row; no mesmo ano foram executadas 52 pessoas. A grande maioria morre na prisão de outras causas ou acaba sendo solta;
  • Quando incluímos alternativas relacionadas à prisão perpétua, inclusive a que obriga o assassino a trabalhar para pagar os dependentes da vitima, apenas um em três continua apoiando a pena de morte. A técnica do survey conta e muito. A construção da pergunta e das alternativas influencia os resultados

    Essa ação legal requer moldura política, valores e muitas informações sem o que não há como entendê-la.

    Gláucio Soares

    Publicado n’O GLOBO de 11 de março de 2011

O país dos favores

Recebi do Jorge Zaverucha. publicado em O ESP 18 set 2010

O país dos favores

18 de setembro de 2010 | 0h 00

Roberto Romano – O Estado de S.Paulo

“Tudo foi feito por amizade, favores”
Ana Maria Caroto Cano,

justificando a quebra ilegal de sigilo alheio

A frase acima, de funcionária da Receita Federal, sintetiza a cultura política do Brasil. Nascemos para o mundo sob o regime absolutista, no qual as funções de Estado foram monopolizadas pelo rei. Ele as cedia em troca de dinheiro, mas as exigia de volta a qualquer instante. Permanecer num cargo público significava favor real. O soberano concentrava alguns monopólios do poder: o controle da força física na guerra e na polícia. Além disso, só o Estado editava leis para o reino e se reservava a arrecadação dos impostos. Mas para garantir fidelidade o soberano comprava o apoio da nobreza, força dominante  no sistema feudal, e da hierarquia religiosa. Privilégios, isenções e prebendas conseguiam a obediência, em consonância com o monopólio do poder. Nobres, padres, burgueses, somados às camadas populares, todos e tudo tinham seu preço.
O nome da cooptação era “favor”.

Os monopólios reais concentravam as políticas e as finanças públicas na Europa, inclusive em Portugal. O mesmo ocorria nos elos entre a colônia portuguesa e a corte. Os impostos seguiam para o rei, que os distribuía de acordo com a sua política. Nos países absolutistas, as cidades dificilmente
auferiam retorno dos impostos. Trazer-lhes algo do butim financeiro era prerrogativa de pessoas ou grupos influentes, os quais deviam favores entre si e ao monarca.

Outra marca do absolutismo reacionário é o nome de “pai” atribuído ao chefe de Estado. O atual presidente dá a si mesmo esse título e outorga à sua possível sucessora a maternidade política sobre o povo. Assim, ele retoma Tiago I, o teórico Robert Filmer (no livro Patriarca, ou sobre o Poder Natural do Reis) e todos os conservadores idolatrados pela TFP. Sem falar nos ditadores como Vargas e os Peróns.

Dados a enorme extensão territorial do Brasil e os parâmetros absolutistas, as nossas políticas públicas – e a maioria dos impostos – foram açambarcadas pelos dirigentes, em Lisboa e depois na corte nacional. Impostos não retornavam (nem retornam) aos municípios. Maria Sylvia Carvalho Franco expõe a lógica do nosso Estado a partir daí. Com a penúria de recursos, municípios apelaram para técnicas de administração alheias aos limites entre o público e o privado.
Vereadores emprestavam de seu bolso às cidades para efetivarem obras. Urbes sem cemitério, escolas, estradas, hospitais foram “beneficiadas” pelos empréstimos.
Breve, diz a autora, veio a contrapartida: se quando o município precisa eu faço o favor de emprestar, quando eu preciso o município deve comparecer. Maria Sylvia Carvalho Franco relata casos como o do tesoureiro que jogava com a arrecadação no fim do mês. No outro, ele devolvia as somas. Processado, estranhou muito porque , na sua mente, o errado não seria pegar emprestado, mas não pagar (Homens Livres na Ordem Escravocrata).

Criou-se o solo político onde quem exerce o cargo público imagina a si mesmo, no mínimo, locatário e, não raro, proprietário da função. Tal crença vai dos altos postos executivos e legislativos (passando pelo Judiciário) aos baixos.
Dali ruma para os eleitores. Estes últimos esperam do deputado, senador, governador, presidente e quejandos que eles prestem “favores” liberando obras para as cidades. E os primeiros, fiéis adeptos do tesoureiro citado, julgam legítimo apropriar-se de parte significativa dos recursos em troca dos
“benefícios” que trazem para as bases. E nem mencionemos a fieira de bondades praticadas nos cargos públicos, desde indicações para empregos até isenção de impostos para quem investiu na campanha eleitoral.

Aquela funcionária da Receita age segundo a ética que deu nascimento ao Estado brasileiro. Ela julga, como parte de seus pares em todos os Poderes, que o cargo lhe pertence, bem como as informações que nele circulam. E imagina prestar favores aos amigos. Mas, como nos tempos do rei, nenhum favor é gratuito, tendo sua contrapartida em novos préstimos ou pecúnia. A confusão
entre público e privado seria atenuada se ausente dos setores mais elevados do poder federal, estadual, municipal. Mas ocorre o contrário: os de baixo escalão imitam os que estão situados no topo. Todos os presidentes, governadores, senadores e deputados federais usam impostos para convencer os votantes sobre o “favor” devido à sua benevolente vontade.
Nada estranho, pois, que o sr. Luiz Inácio da Silva mova o recurso em prol de si mesmo, de seu partido, de sua candidata.

Notícia deste jornal (13 de setembro) relata que em Santa Catarina, “referindo-se aos rivais na corrida presidencial, Lula voltou a afirmar que jamais na história o Estado recebeu tantos recursos quanto em seu governo. Enumerou R$ 1,2 bilhão em ajuda aos atingidos pelas enchentes de 2008, os R$ 129 milhões para obras de reconstrução das rodovias atingidas e os R$ 348 milhões destinados para a reconstrução do Porto de Itajaí, além de recursos repassados para a construção de quase 4 mil moradias no programa Minha Casa, Minha Vida.
“Eu desafio qualquer um a provar se na história de algum governo passado já repassou tantos recursos para Santa Catarina como nós fizemos. O dinheiro veio. Se ele não foi aplicado da forma como deveria, é outra história.”” E também citou: “No meu governo São Paulo recebeu mais dinheiro do que na época que era governado por Mário Covas e tinha o FHC como presidente.”

O dinheiro não é do presidente, mas dos contribuintes, que aderem a todos os partidos, ideologias ou crenças religiosas. O sigilo não pertence à Receita, mas aos que pagam impostos. O resto é absolutismo anacrônico, mesmo quando aplaudido por nobres e pobres, numa República apodrecida pelo favor.

A explosão de violência na Venezuela

A violência na Venezuela, particularmente na área metropolitana de Caracas, continua chocando leigos e especialistas. É tão grande que virou matéria central do New York Times.

O governo de Chávez tentou três tipos de justificativas:

1.    Os dados estavam inflacionados;

2.    A violência cresceu antes;

3.    É alta, mas estão conseguindo baixá-la.

Nenhuma é verdadeira. Briceño Leon, um criminólogo sério, nos informa que a taxa nacional de homicídios na Venezuela é de 75 por cem mil hbs. Há poucos anos era de 49. Embora muitas pessoas que se dizem de esquerda (mas será que são mesmo?) não gostam de Uribe e gostam de Chávez, quando Uribe comecou o seu mandato, a taxa colombiana era claramente superior à venezuelana; hoje é menos da metade. O crédito não deve ser dado exclusivamente a Uribe, a despeito das suas vitórias sobre o narcotráfico: o controle da polícia, na Colômbia é municipal e foram bons prefeitos que implementaram políticas inteligentes que reduziram as taxas de homicídio em seus municípios. Os melhores exemplos são as principais cidades, como Bogotá e Medellín. O problema, na Venezuela, é a incompetência generalizada, com administradores escolhidos em função da sua devoção a Chávez e não em função da competência exigida para o cargo. No que concerne a afirmação de que a violência é antiga, os níveis anteriores, comparativamente, eram muito mais baixos. Além disso, eles não cresceram nos três anos anteriores a Chávez, 1995 a 1998, como noticiei em http://conjunturacriminal.blogspot.com repetidas vezes (ver 191/10/06; 20/10/06; 23/10/06; 05/11/06; 1/1/07 e 12/04/08). Evidentemente, o crescimento da violência cidadã sob Chávez não é novidade.

E a confiabilidade dos dados? Talvez a única fonte confiável de informações sobre a violência na Venezuela provenha de uma ONG. A guerra dos dados já foi pior, com fortes discrepâncias entre muitos levantamentos e estimativas e os dados oficiais. Mesmo assim, a situação pintada pelos dados oficiais era tão negativa que, durante alguns anos, eles não foram divulgados.

Hoje o próprio Instituto Nacional de Estatísticas (INE) reconhece que houve mais de dezenove mil homicídios em 2009. A bem da verdade, diga-se que o relatório foi feito sob encomenda da Vice-Presidência e entregue a Chávez.

Como no Brasil, as vítimas são predominantemente:

·       Homens;

·       Pobres;

·       Solteiros;

·       Mortos com armas de fogo.

New York Times, num requinte de perversidade comparativa, mostra que é mais arriscado viver em Caracas do que em Bagdá, com bombas, Al Quaida e tudo.

O preço de ter um país dirigido de maneira personalizado por uma figura narcisista é alto. Morrem mais cidadãos. Os homicídios são, apenas, um entre vários exemplos que mostram o desastre no qual a Venezuela se transformou.

A militarização da polícia provocou um estacionamento na evolução técnica. Foi o que aconteceu em outras ditaduras militares. Majores, coronéis e generais assumiram postos importantes na segurança pública, com péssimos resultados.  Em outras áreas violentas a Venezuela também não se situa bem. Infelizmente, a OPAS não usa taxas por quilometro rodado, a que seria melhor, nem por dez mil veículos, mas por cem mil habitantes. Intuitivamente, quanto mais veículos, maior o risco de acidentes.

Neste quesito, com essa medida (inadequada) o Uruguai está bem situado, com 4,3 mortes por cem mil habitantes; do outro lado estão o México, o Peru e a Venezuela, com mais de vinte. Entre os homens, as mortes por acidentes de tráfico superam as mortes por câncer!

Chamar algo de bolivariano não obvia o resultado que os dados impõem: a Venezuela é um dos países da América Latina com níveis mais baixos de segurança cidadã.

Gláucio Ary Dillon Soares

IESP/UERJ

(publicado no Correio Braziliense)

Situação difícil em Pernambuco

Pernambuco tem semelhanças com o Rio de Janeiro no que tange alguns parâmetros do crime e da violência, particularmente por serem estados com muitos anos, décadas, com altas taxas de homicídio. Recebi cópia de um artigo crítico dos esforços do governo do estado, que reproduzo abaixo, sem que essa reprodução signifique concordância ou rejeição. Trata-se, apenas, de informação:

JC 2 de outubro de 2008

»
VIOLÊNCIA

Homicídios
voltam a crescer no Estado
Publicado
em 02.10.2008

Eduardo
Machado

eduardomaxado@gmail.com

Carlos,
Valdebrando, Alexssandro, Edílson, Daniel, José, Carlos Danilo e ainda uma mulher não-identificada, encontrada morta em um engenho, em Ipojuca, e um homem não-identificado, executado a pauladas em Aguazinha, Olinda. Essas dez pessoas foram assassinadas ontem, em Pernambuco. Nove na Região Metropolitana do Recife. Uma no Agreste. Com essas mortes, o total de homicídios anotados este ano (De janeiro a setembro) no Estado chegou a 3.390. No  comparativo com o mesmo período de 2007 há uma redução de 81 casos, ou 2,3%. No entanto, quando se analisa o período do segundo ano do Pacto pela Vida (de maio a setembro), o
resultado se inverte. Há um crescimento de 2,7% no número de homicídios e o pior, setembro aparece como o segundo mês seguido de alta nos índices.

A diferença de resultado quando se compara de janeiro a setembro e de maio a setembro
(período do segundo ano do Pacto pela Vida) está no fato de que os três primeiros meses de 2007 anotaram números acima de 400 mortes. Isso faz com que o acumulado do ano passado (nos nove primeiros meses), seja maior do que o deste ano (em igual período).

Mesmo com todo o investimento que o Governo do Estado diz ter feito na área da Segurança Pública, 2008 já acumula quatro meses (abril, junho, agosto e setembro) com mais homicídios do que os períodos correspondentes no ano passado. Os dados sobre assassinatos foram fornecidos pela Agência Condepe/Fidem (janeiro a agosto) e pelo site contador de homicídios PEbodycount (www.pebodycount.com.br).

Sempre que é indagado sobre a estratégia usada para fezer o número de homicídios cair, comparando dados de 2008 com 2007, o governo do Estado afirma que o combate aos grupos de extermínio seria um dos motivos para a redução. No entanto, ao analisar os números de Caruaru, por exemplo, onde foi desarticulado um grupo de extermínio em abril de 2007, o que vemos é que houve na verdade crescimento. De janeiro a agosto de 2007, Caruaru teve 107 homicídios. No mesmo período deste ano, esse total subiu para 119 casos. Um crescimento real na violência em uma cidade onde foi desarticulado um grupo de extermínio que as autoridades asseguraram que matava 200 pessoas por ano.

META

A meta do Governo do Estado é reduzir em 12% a taxa de homicídios, comparando o período de maio de 2008 a abril de 2009, com maio de 2007 a abril de 2008.No primeiro ano do Pacto pela Vida, a redução obtida foi de 6,9%, pouco mais da metade do previsto. Considerando os cinco primeiros meses do segundo ano do Pacto, os índices estão crescendo em vez de cair. Nas dez
cidades pernambucanas com mais de 100 mil habitantes, além de Caruaru, os números de homicídios são crescentes em Camaragibe, no Cabo de Santo Agostinho e em Garanhuns. No Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Vitória, Petrolina e Paulista, os índices de 2008 são menores do que os do ano passado.

Pesquisas sociais e sobre mídia

Nos segundos tempos de Brasília, tivemos um pequeno recurso do CNPa para estudar a América Latina em três jornais: Jornal do Brasil; Folha de São Paulo e Correio Braziliense. Projeto barato que deu certo. Tudo o que recebemos foram pequenas bolsas de iniciação científica. Deu artigo, tese e monografia premiada. Baixar de SOARES, Gláucio Ary Dillon. A América Latina na imprensa brasileira. Opin. Publica, 2004, vol.10, no.1, p.63-90. ISSN 0104-6276.

Mídia e comunicações

Nos segundos tempos de Brasília, tivemos um pequeno recurso do CNPa para estudar a América Latina em três jornais: Jornal do Brasil; Folha de São Paulo e Correio Braziliense. Projeto barato que deu certo. Tudo o que recebemos foram pequenas bolsas de iniciação científica. Deu artigo, tese e monografia premiada. Baixar de SOARES, Gláucio Ary Dillon. A América Latina na imprensa brasileira. Opin. Publica, 2004, vol.10, no.1, p.63-90. ISSN 0104-6276.

No plano político, não é possível ignorar o papel crescente dos marqueteiros e da internet. Engajado na campanha contra as armas, sofri com a derrota – democrática e legítima – do SIM. Um dos artigos a respeito foi publicado em Convive , Comitê Nacioinal de Vítimas da Violência e se chama Adeus à Democracia Pode baixá-lo ou lê-lo abaixo:

Referendo – Artigo

Adeus à Democracia

Gláucio Ary Dillon Soares

Ganhe o SIM ou o NÃO, a democracia perde ou ganha? Ganha porque o povo brasileiro decide; perde porque decide de acordo com os marqueteiros. Quando se discutiu o horário gratuito, o ideal era nobre: limitar a influência do poder econômico, dar uma chance a quem não tinha dinheiro de defender suas idéias diante do grande público. Seria um momento para confronto de dados, resultados de pesquisas, idéias, argumentos, com benefício para o público. Um refinamento da cultura cívica. Não se previu que as campanhas se tornariam batalhas entre imagens e não entre propostas e seus alicerces factuais e ideológicos.

Sim, o marqueteiro do NÃO é bom. Elegeu, imaginem, Fernando Collor. E talvez convença a maioria do público brasileiro (já convenceu uma parte grande) de que aumentando as armas de fogo, aumentará a segurança e diminuirão as mortes violentas. Os dados mostram o contrário.

Como é possível?

Numa sociedade de telespectadores, a mídia, e a TV em particular, tem função muito importante. Porém, o tempo disponível é muito curto para expressar uma idéia complexa. A palavra perde importância, sendo reduzida a frases de efeito. Talvez o encurtamento das cenas no quotidiano da TV reduza a nossa atenção e nos impeça, por um cansaço induzido, de apreciar monólogos e diálogos mais longos, argumentos mais complexos – na TV e na vida também. Vivemos, cada vez mais, num mundo rápido, de tiradas e de mentirinha onde, pasmem!, acabaram os cômicos, aqueles que fazem rir com suas palhaçadas. Êles foram substituídos por risos gravados no estúdio, de mentirinha, manipulados à vontade pelos editores dos programas. O seriado cômico de maior sucesso nos Estados Unidos, Friends (Amigos) durou uma década. É assim.

Robert Putnam, critica o isolamento social: que mais americanos assistem Amigos do que têm amigos. Em Bowling Alone, Putnam critica o fim da sociedade participativa e dá números: declínio de um terço no comparecimento a reuniões públicas e no número de sindicalizados; queda, pela metade, na participação em partidos; o tempo passado com amigos caiu 35% e assim por diante. A sociedade associativa, participante, com fortes governos locais, descrita por Tocqueville, foi substituída pela sociedade do divã em frente à televisão.

Porém, há uma competidora da televisão que, ainda nanica hoje, cresce rapidamente e promete ser gigante amanhã: a internet. A internet, como a televisão, pode ser um grande instrumento de desenvolvimento político, de democratização do conhecimento. Está levando o conhecimento contido em bibliotecas que eram privilégio do Primeiro Mundo ao Terceiro Mundo, a despeito da caríssima intermediação de empresas que nos vendem o que nós publicamos. A internet me permite (e a muitos outros) dar aulas a estudantes ginasianos espalhados pelo Brasil; permite, também, o furto de identidades, pedofilia, fraudes, divulgação de técnicas de construção de bombas e minas etc. O referendo produziu uma feroz campanha quase unilateral pela internet onde se divulgaram alguns fatos, algumas idéias e, infelizmente, um gigantesco besteirol – no qual muitos acreditam. Por esse meio, o NÃO mobilizou muito mais gente do que o SIM.

Afinal, o NÃO mobilizou quem gosta de armas, e sabe disso, quem tem medo, e sabe disso. Os maiores interessados na vitória do SIM são as futuras vítimas das armas de fogo, os que morrerão e os que serão feridos, muitos dos quais, ironicamente, estão defendendo o NÃO. Mas êles não sabem que vão morrer e que vão ser feridos. Os maiores defensores do SIM morreram e não votam mais.

Podemos calcular, dentro de margens probabilísticas seguras, quantos vão morrer. Não é mistério, já o fiz muitas vezes e qualquer um pode fazê-lo. Mas, como transformar uma probabilidade em um sentimento? Pesquisas, ciência e conhecimento não conseguem. Números não criam identidades.

Mas imagens e emoções como o medo, criam. Estereótipos criam. A imagem do criminoso gerada pelo NÃO junta todos os preconceitos num clip de vinte segundos. Um homem, escuro (claro!!!), com brincos, cabelo pixaim (mas só um pouquinho para que o racismo não seja óbvio), de origem pobre, dentes estragados, mas tratados a ouro, com um sorriso perverso. Do outro lado, defendendo o NÃO, um jovem, branquíssimo (claro!!!), alourado, musculoso, parecendo ingênuo e sincero, de classe média. Em vinte segundos, o marqueteiro do NÃO condensou os preconceitos raciais e sociais mais poderosos da sociedade brasileira. E ganhou votos.

Num mundo movido a imagens, a verdade está perdendo o sentido. Se coloca o que ganha voto, falso ou verdadeiro. As campanhas eleitorais “vendem” imagens. Emplacaram Collor e os anões do orçamento, assim como os corruptos da vez e outros que estão escondidinhos. Há décadas suspeitávamos de Maluf, que se elegeu prefeito e foi candidato a presidente e a governador, recebendo milhões de votos. O jogo de imagens zerou a correlação entre a pessoa real e a persona política. A imagem pode ser a antítese da realidade.

Em 1948, George Orwell publicou 1984. Cinco anos depois, Ray Bradbury publicou Fahrenheit 451. Eram, na época, livros de ciência ficção, preocupados com a lavagem cerebral feita por governos totalitários, dominando a leitura e reescrevendo a história, num, e queimando livros e concentrando a comunicação na televisão, noutro.

No Brasil, pouco mais de meio século depois, em parte, a ficção virou realidade. Politicamente, estamos longe, muito longe – felizmente – de uma ditadura.

Somos uma democracia de imagens.

Gláucio Ary Dillon Soares

IUPERJ

O poder crescente da internet é tema de muita conversa e pouca pesquisa no Brasil. Temos alguns ensaios com insights, mas poucas pesquisas. Profissionalmente, a internet foi de grande auxílio para mim, mas há sérios problemas. Coloquei algumas idéias e dados (outro ensaio, agora meu) em artigo publicado no Jornal do Brasil, Anjo ou demônio?

Mídia e comunicações

Nos segundos tempos de Brasília, tivemos um pequeno recurso do CNPa para estudar a América Latina em três jornais: Jornal do Brasil; Folha de São Paulo e Correio Braziliense. Projeto barato que deu certo. Tudo o que recebemos foram pequenas bolsas de iniciação científica. Deu artigo, tese e monografia premiada. Baixar de SOARES, Gláucio Ary Dillon. A América Latina na imprensa brasileira. Opin. Publica, 2004, vol.10, no.1, p.63-90. ISSN 0104-6276.

No plano político, não é possível ignorar o papel crescente dos marqueteiros e da internet. Engajado na campanha contra as armas, sofri com a derrota – democrática e legítima – do SIM. Um dos artigos a respeito foi publicado em Convive , Comitê Nacioinal de Vítimas da Violência e se chama Adeus à Democracia Pode baixá-lo ou lê-lo abaixo:

Referendo – Artigo

Adeus à Democracia

Gláucio Ary Dillon Soares

Ganhe o SIM ou o NÃO, a democracia perde ou ganha? Ganha porque o povo brasileiro decide; perde porque decide de acordo com os marqueteiros. Quando se discutiu o horário gratuito, o ideal era nobre: limitar a influência do poder econômico, dar uma chance a quem não tinha dinheiro de defender suas idéias diante do grande público. Seria um momento para confronto de dados, resultados de pesquisas, idéias, argumentos, com benefício para o público. Um refinamento da cultura cívica. Não se previu que as campanhas se tornariam batalhas entre imagens e não entre propostas e seus alicerces factuais e ideológicos.

Sim, o marqueteiro do NÃO é bom. Elegeu, imaginem, Fernando Collor. E talvez convença a maioria do público brasileiro (já convenceu uma parte grande) de que aumentando as armas de fogo, aumentará a segurança e diminuirão as mortes violentas. Os dados mostram o contrário.

Como é possível?

Numa sociedade de telespectadores, a mídia, e a TV em particular, tem função muito importante. Porém, o tempo disponível é muito curto para expressar uma idéia complexa. A palavra perde importância, sendo reduzida a frases de efeito. Talvez o encurtamento das cenas no quotidiano da TV reduza a nossa atenção e nos impeça, por um cansaço induzido, de apreciar monólogos e diálogos mais longos, argumentos mais complexos – na TV e na vida também. Vivemos, cada vez mais, num mundo rápido, de tiradas e de mentirinha onde, pasmem!, acabaram os cômicos, aqueles que fazem rir com suas palhaçadas. Êles foram substituídos por risos gravados no estúdio, de mentirinha, manipulados à vontade pelos editores dos programas. O seriado cômico de maior sucesso nos Estados Unidos, Friends (Amigos) durou uma década. É assim.

Robert Putnam, critica o isolamento social: que mais americanos assistem Amigos do que têm amigos. Em Bowling Alone, Putnam critica o fim da sociedade participativa e dá números: declínio de um terço no comparecimento a reuniões públicas e no número de sindicalizados; queda, pela metade, na participação em partidos; o tempo passado com amigos caiu 35% e assim por diante. A sociedade associativa, participante, com fortes governos locais, descrita por Tocqueville, foi substituída pela sociedade do divã em frente à televisão.

Porém, há uma competidora da televisão que, ainda nanica hoje, cresce rapidamente e promete ser gigante amanhã: a internet. A internet, como a televisão, pode ser um grande instrumento de desenvolvimento político, de democratização do conhecimento. Está levando o conhecimento contido em bibliotecas que eram privilégio do Primeiro Mundo ao Terceiro Mundo, a despeito da caríssima intermediação de empresas que nos vendem o que nós publicamos. A internet me permite (e a muitos outros) dar aulas a estudantes ginasianos espalhados pelo Brasil; permite, também, o furto de identidades, pedofilia, fraudes, divulgação de técnicas de construção de bombas e minas etc. O referendo produziu uma feroz campanha quase unilateral pela internet onde se divulgaram alguns fatos, algumas idéias e, infelizmente, um gigantesco besteirol – no qual muitos acreditam. Por esse meio, o NÃO mobilizou muito mais gente do que o SIM.

Afinal, o NÃO mobilizou quem gosta de armas, e sabe disso, quem tem medo, e sabe disso. Os maiores interessados na vitória do SIM são as futuras vítimas das armas de fogo, os que morrerão e os que serão feridos, muitos dos quais, ironicamente, estão defendendo o NÃO. Mas êles não sabem que vão morrer e que vão ser feridos. Os maiores defensores do SIM morreram e não votam mais.

Podemos calcular, dentro de margens probabilísticas seguras, quantos vão morrer. Não é mistério, já o fiz muitas vezes e qualquer um pode fazê-lo. Mas, como transformar uma probabilidade em um sentimento? Pesquisas, ciência e conhecimento não conseguem. Números não criam identidades.

Mas imagens e emoções como o medo, criam. Estereótipos criam. A imagem do criminoso gerada pelo NÃO junta todos os preconceitos num clip de vinte segundos. Um homem, escuro (claro!!!), com brincos, cabelo pixaim (mas só um pouquinho para que o racismo não seja óbvio), de origem pobre, dentes estragados, mas tratados a ouro, com um sorriso perverso. Do outro lado, defendendo o NÃO, um jovem, branquíssimo (claro!!!), alourado, musculoso, parecendo ingênuo e sincero, de classe média. Em vinte segundos, o marqueteiro do NÃO condensou os preconceitos raciais e sociais mais poderosos da sociedade brasileira. E ganhou votos.

Num mundo movido a imagens, a verdade está perdendo o sentido. Se coloca o que ganha voto, falso ou verdadeiro. As campanhas eleitorais “vendem” imagens. Emplacaram Collor e os anões do orçamento, assim como os corruptos da vez e outros que estão escondidinhos. Há décadas suspeitávamos de Maluf, que se elegeu prefeito e foi candidato a presidente e a governador, recebendo milhões de votos. O jogo de imagens zerou a correlação entre a pessoa real e a persona política. A imagem pode ser a antítese da realidade.

Em 1948, George Orwell publicou 1984. Cinco anos depois, Ray Bradbury publicou Fahrenheit 451. Eram, na época, livros de ciência ficção, preocupados com a lavagem cerebral feita por governos totalitários, dominando a leitura e reescrevendo a história, num, e queimando livros e concentrando a comunicação na televisão, noutro.

No Brasil, pouco mais de meio século depois, em parte, a ficção virou realidade. Politicamente, estamos longe, muito longe – felizmente – de uma ditadura.

Somos uma democracia de imagens.

Gláucio Ary Dillon Soares

IUPERJ

O poder crescente da internet é tema de muita conversa e pouca pesquisa no Brasil. Temos alguns ensaios com insights, mas poucas pesquisas. Profissionalmente, a internet foi de grande auxílio para mim, mas há sérios problemas. Coloquei algumas idéias e dados (outro ensaio, agora meu) em artigo publicado no Jornal do Brasil, Anjo ou demônio?