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Estamos mal…

Penso na América Latina e no Brasil dentro dela. A América Latina vai mal na segurança social. O José Maria Nóbrega Jr. divulgou alguns dados do Índice de Progresso Social (IPS), um relatório que cobre 132 países, divulgado na semana que passou. Esse índice inclui várias dimensões e a segurança pessoal é uma delas. Não pensem que a América Latina vai mal e o Brasil vai bem: o Brasil vai mal, mesmoem comparação com outros países da região. Quem está pior é a Venezuela, com apenas 27,55 pontos de um máximo de 100, pior que países tradicionalmente considerados muito violentos como a República Centro-Africana, a África do Sul e o Chad. Somente outros três países latinoamericanos apresentam índices piores do que o do Brasil: a República Dominicana, Honduras e o México. Como todos os indices agregados, o IPS tem ampla margem de erro. Os 37,50 pontos do Brasil não devem ser lidos como valores exatos, mas apenas como um padrão para comparar países. Dá uma noção elástica sobre como andamos. Serve para contrastar com o país considerado mais seguro, a Islândia, país que visitei e que me impressionou. A despeito de ser um país com muitos vulcões e erupções, de ter a energia geotérmica como sua principal fonte, e de ser fria pr’a chuchu, é um país com uma população altamente cívica, educada e solidária. Encaixa com o que observei.

Crescem os homicídios em Campina Grande

Silvana Torquato, publicado no Jornal da Paraíba, 27.03.11

A banalização da violência, sobretudo o dano à vida, tem sido um dos maiores problemas enfrentados pela sociedade brasileira. Em Campina Grande, cidade localizada no Agreste paraibano, a realidade não é diferente, pois a cada ano o número de homicídios vem crescendo e jovens em idade produtiva são as principais vítimas.

Nos últimos cinco anos, 690 pessoas foram assassinadas na cidade por inúmeros motivos, sem contabilizar os dados deste ano, que já somam 32 até a última quinta-feira, dia 24. Fazendo um balanço desse aumento, pode-se afirmar que houve um crescimento de 53% se comparado os dados de 2006 (123 homicídios) com os de 2010 (189). Nesse período de cinco anos (2006 a 2010), o ano mais violento foi o de 2010, com 189 assassinatos, ou seja, a cada dois dias uma pessoa morreu de forma violenta na cidade. “Isso se deve também por ter sido um ano eleitoral, onde as discussões entre as pessoas ficaram mais acirradas”, disse a delegada de Homicídios de Campina Grande, Cassandra Guimarães. E o meio mais empregado para tirar a vida de uma pessoa continua sendo a arma de fogo, com 426 registros, representando 61,7% do total de assassinatos nesse período. Outro ponto de destaque nessa violência urbana é que jovens entre 18 e 24 anos representam a maioria dos homicídios, 226, vindo em seguida pela faixa etária de 35 a 64 anos, que são 113.

Para a delegada de Homicídios de Campina Grande, Cassandra Guimarães, a maioria dos crimes que aconteceu no município foram motivados por relações interpessoais, quando há uma rixa, motivo de vingança e cobrança de dívida. “Mesmo tendo forte atuação na cidade, o tráfico de drogas aparece nessas estatísticas como pano de fundo na prática desses homicídios. O que leva uma pessoa a cometer um crime são mais as discussões, que em muitos casos, são por motivo fútil”, afirmou.

Outra preocupação dos órgãos de segurança e que também é um dos principais fatores para a prática de assassinatos na cidade é o alto índice de pessoas que andam armadas e encontram facilidade para comprar armas de fogo. “Precisaríamos um trabalho mais social para que esses jovens fossem desarmados, isso ajudaria em muito a diminuição nos casos de homicídio. Teríamos que combater o mal na fonte e coibir de vez a venda de armas”, enfatizou.

Cinco localidades também foram apontadas pela Polícia Civil como sendo as mais violentas da cidade onde aconteceram mais homicídios entre 2006 e 2010: José Pinheiro (50), Pedregal (48), Bodocongó (41), Centro (40) e o distrito de São José da Mata (31). Um destaque nesses números é o aumento de crimes cometidos no Centro da cidade. Considerado por muitos, como lugar de muita movimentação e merecimento de maior atenção por parte das forças policiais, já que se caracteriza como área comercial, onde inclui bancos e lojas, o Centro de Campina Grande se apresentou nesses últimos cinco anos com um elevado número de homicídios.

Na avaliação de Cassandra Guimarães, José Pinheiro e Pedregal já são, historicamente, considerados bairros violentos, com incidência maior de crimes. “Nesses casos, seria necessário uma atuação maior da força policial ostensiva e à medida que se faz um trabalho mais preventivo nessas áreas, o número de homicídios tende a diminuir”, afirmou. Já em relação ao Centro, a delegada disse que o índice de crimes aumentou por ser uma área de lazer, onde se concentra grande aglomeração de pessoas em bares e outros empreendimentos festivos.

O cientista político e professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), José Maria Nóbrega aponta vários fatores para esse aumento de homicídios na cidade, que é considerada de médio porte. Mesmo tendo uma melhoria no âmbito socioeconômico, reduzindo, assim, a pobreza e a desigualdade, o aumento da renda familiar e a fragilidade das instituições de coerção terminaram contribuindo para esse alto índice de assassinatos nos últimos anos. “Se não melhorar a qualidade da polícia e implantar mais políticas públicas, essa tendência só tende a crescer”, afirmou.

Hoje, a Delegacia de Homicídios trabalha com dois delegados, Cassandra Guimarães (titular) e Francisco Assis da Silva (adjunto), oito agentes e dois escrivães.


Estão assassinando mais negros do que brancos

Revista Carta Capital

O carnaval vai de novo celebrar a “união das raças”, mas não se iluda: nunca foi tão profundo o fosso entre a segurança de brancos e negros. De cada 3 assassinados, 2 têm a pele preta

Entre as páginas 24 e 28 a jornalista Cynara Menezes desenvolve uma importante matéria sobre a violência homicida e o impacto da variável raça/etnia.

Trecho da matéria:“Obviamente, a desigualdade é um dos fatores a explicar esse abismo. Quanto mais um país enriquece e proporciona condições semelhantes a seus cidadãos, mais a criminalidade tende a diminuir. Mas ela não é o único fator a ser levado em conta. O Brasil experimentou um bom crescimento da economia nos últimos anos, associado a uma maior distribuição de renda. Mesmo assim, a melhora nos números de violência tem sido pontual, quando não cresce, a depender da localidade analisada. “A ineficácia das instituições de coerção também tem um peso importante no estado das coisas”, diz o cientista político José Maria Nóbrega, professor da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba.

Sobre a incrível curva ascendente dos homicídios em seu estado natal, sobretudo no Maranhão, qua já foi o mais tranquilo e em dez anos quadruplicou os assassinatos, Nóbrega é partidário da mesma teoria de vários de seus colegas estudiosos da violência: como apliou-se o cerco nas maiores capitais do País – Rio e São Paulo, onde diminuíram os homicídios -, o foco da criminalidade deslocou-se para as cidades menores e para outras regiões. ‘A violência não migrou apenas do Sudeste para o Nordeste, mas das áreas metropolitanas para o interior. A Paraíba é uma exceção, porque ainda não se aplicaram políticas sérias contra o crime na capital’.

O resultado é que tanto João Pessoa quanto em municípios menores os índices explodiram nos últimos anos. No Mapa da Violência, a capital paraibana aparece como a quarta onde os homicídios mais cresceram entre 1998 e 2008. Mas um município como Bayeux, na região metropolitana, com cerca de 95 mil habitantes, teve 84 assassinatos por 100 mil habitantes em 2009, um índice ‘avassalador’, segundo Nóbrega, comparado à média nacional, de 26,4 homicídios anuais.”

 

Os tipos (e as soluções) dos homicídios variam de região para região

Opinião/Especial para o Blog de Jamildo

Quais as reais causas dos homicídios no Nordeste?

Muitos acreditam que a violência, quando medida pelos homicídios, tem correlação direta com a desigualdade e a pobreza. Outros ligam a violência homicida a falta de emprego e ao subdesenvolvimento. Mas, a maior correlação entre uma variável e o homicídio se dá com o aspecto institucional, ou seja, governos responsivos na área da segurança pública tem papel decisivo para a redução da violência homicida.

Passei dois anos, 2008 e 2009, escrevendo uma tese de doutorado na área de Ciência Política onde o tema abordado foi “os homicídios no Brasil”, com destaque para a região Nordeste. Duas grandes novidades: 1. quebrei a hegemonia da agenda de estudos da Ciência Política, ligada de forma quase que total aos estudos do Poder Legislativo, do Poder Executivo, das eleições e da reforma do estado, focando a análise institucional de um fenômeno social: os homicídios. 2. Escrevi sobre os homicídios utilizando os instrumentos teóricos e metodológicos da Ciência Política contemporânea, mesclando método qualis e quanti.

Desse ineditismo, verifiquei que os homicídios no Brasil tem causas multifatoriais e que há sensíveis diferenças entre as regiões brasileiras. Por exemplo, enquanto algumas variáveis tem correlação com os homicídios no Sudeste, estas mesmas variáveis não necessariamente terão correlação com os homicídios no Nordeste.

Outro exemplo mais concreto, enquanto as apreensões de armas – provocadas pelo estatuto do desarmamento – tiveram efeito correlacional no Sudeste, o que se verifica no Nordeste é a total falta de correlação entre esta variável e os homicídios. Estes continuaram sendo praticados de forma acentuada nesta região. Entre 1996 e 2008 houve um incremento percentual nos números absolutos de homicídios que ultrapassou os 100%.

Outra desmistificação esteve ligada a questão da pobreza e da desigualdade. No Nordeste houve interessante redução dessas variáveis, sobretudo quando medidas por indicadores socioeconômicos. Por exemplo, houve uma redução da concentração de renda medida pelo Gini e pela renda domiciliar per capita, seguida de maior investimento em programas de transferência de renda (Bolsa Família) e maior inserção dos pobres na classe média. Mesmo assim, os homicídios continuaram sendo praticados num ritmo bastante acelerado. Bahia, Alagoas e Pernambuco mostram números elevadíssimos de mortes por agressão. Excluindo Pernambuco – que vem obtendo sucesso nas suas políticas de segurança pública -, Bahia e Alagoas vem tendo uma explosão nos números absolutos de homicídios de forma catastrófica.

Minha análise aponta para o papel das instituições. Em locais onde as instituições coercitivas – Polícias, Ministério Público, Poder Judiciário e Sistema Carcerário – apresentam eficácia em seu funcionamento – com atores responsivos e compromissados com resultados e metas claras a serem alcançadas – o resultado no controle da variável homicídios é sensível. Seja no Nordeste, em São Paulo, nos EUA ou na Colômbia, o papel coercitivo do estado se mostra como variável determinante, independente do crescimento econômico, da desigualdade de renda e da pobreza.

Não afirmo que o crescimento econômico e a desigualdade não são fatores importantes, mas para o controle da violência homicida, muitas das vezes, sobretudo no Nordeste, não há relação entre a melhoria dos indicadores que medem estas variáveis e a redução dos homicídios.

A eficácia institucional, os gastos públicos nas áreas de segurança e saúde, políticas públicas eficazes, estas foram as principais variáveis encontradas com maior grau de correlação/associação com os homicídios (seu controle). A dinâmica das mortes por agressão são semelhantes, os grupos de vitimização aparecem quase que universalmente da mesma forma: jovens pardos, da periferia e com baixo nível de escolaridade são os mais atingidos por esse mau. Contudo, as causas podem ser diversas. Tráfico de drogas, desorganização social, instabilidade familiar, grupos de extermínio etc. Pode haver implicância ou não do aspecto econômico. Mas, o que controla a violência homicida são as instituições e seu poder de eficácia institucional. O que chamo de Accountability Democrática (Behn, 1998).

O papel responsivo dos governos e das instituições coercitivas salvam vidas, independentemente do contexto estrutural dos aspectos socioeconômicos

José Maria Nóbrega Jr.
Doutor em Ciência Política – UFPE
Pesquisador do Núcleo de Estudos de Instituições
Coercitivas e da Criminalidade (NICC-UFPE)
Professor da Faculdade Maurício de Nassau
Cel.: (81)  9735.7928