Arquivo da categoria: aborto e suicidio

O SUICÍDIO E AS DEPRESSÕES UNIPOLARES E BIPOLARES

Um estudo americano afirma que 90% dos suicídios são de pessoas com uma desordem psiquiátrica que pode ser, ou foi, diagnosticada. A relação é íntima.

Porém, há muitas desordens psiquiátricas, umas mais relacionadas com o suicídio do que outras.

Pacientes que sofrem de depressão unipolar severa (chamada na literatura americana de UP-MDD) as taxas padronizadas de suicídio são vinte vezes mais altas do que as da população. A literatura consultada enfatiza que as depressões variam muito de intensidade, fato muito relevante na análise do risco de suicídio porque as mais severas caracterizam um risco muito maior.

Quando realizamos uma necropsia psicológica de um suicida que sofria de depressão unipolar num país com boa assistência psiquiátrica e estatísticas confiáveis um indicador de severidade é se a vítima esteve internada ou não. Os pacientes que foram hospitalizados apresentaram taxas muito mais altas do que os pacientes tratados no consultório. Uma escola de pensamento afirma que a depressão atual é a variável mais frequentemente associada com o suicídio.

Não obstante, as desordens bipolares estão ainda mais associadas com o suicídio do que as unipolares.

Uma das pesquisas que consultei foi uma meta-análise de 28 pesquisas com 21.500 pacientes com Desordem Bipolar, entre os que houve 823 suicídios. A média anual ponderada permitiu estimar a taxa em 390 por cem mil.

Trezentos e noventa! Essa taxa é aproximadamente vinte e seis vezes mais alta do que a calculada sobre países com dados confiáveis. A diferença diminui se tomamos como comparação a taxa da população adulta ou, pelo menos, de quinze anos e mais.

A prevenção do suicídio não pode ignorar a forte associação deste comportamento com desordens psiquiátricas. Necessitamos de campanhas de conscientização em vários níveis – na população, entre professores, entre médicos, religiosos, e também entre psiquiatras, psicólogos e psicanalistas – entre outros.

 

 

GLÁUCIO SOARES              IESP-UERJ

O SUICÍDIO E AS DEPRESSÕES UNIPOLARES E BIPOLARES

Um estudo americano afirma que 90% dos suicídios são de pessoas com uma desordem psiquiátrica que pode ser, ou foi, diagnosticada. A relação é íntima.

Porém, há muitas desordens psiquiátricas, umas mais relacionadas com o suicídio do que outras.

Pacientes que sofrem de depressão unipolar severa (chamada na literatura americana de UP-MDD) as taxas padronizadas de suicídio são vinte vezes mais altas do que as da população. A literatura consultada enfatiza que as depressões variam muito de intensidade, fato muito relevante na análise do risco de suicídio porque as mais severas caracterizam um risco muito maior.

Quando realizamos uma necropsia psicológica de um suicida que sofria de depressão unipolar num país com boa assistência psiquiátrica e estatísticas confiáveis um indicador de severidade é se a vítima esteve internada ou não. Os pacientes que foram hospitalizados apresentaram taxas muito mais altas do que os pacientes tratados no consultório. Uma escola de pensamento afirma que a depressão atual é a variável mais frequentemente associada com o suicídio.

Não obstante, as desordens bipolares estão ainda mais associadas com o suicídio do que as unipolares.

Uma das pesquisas que consultei foi uma meta-análise de 28 pesquisas com 21.500 pacientes com Desordem Bipolar, entre os que houve 823 suicídios. A média anual ponderada permitiu estimar a taxa em 390 por cem mil.

Trezentos e noventa! Essa taxa é aproximadamente vinte e seis vezes mais alta do que a calculada sobre países com dados confiáveis. A diferença diminui se tomamos como comparação a taxa da população adulta ou, pelo menos, de quinze anos e mais.

A prevenção do suicídio não pode ignorar a forte associação deste comportamento com desordens psiquiátricas. Necessitamos de campanhas de conscientização em vários níveis – na população, entre professores, entre médicos, religiosos, e também entre psiquiatras, psicólogos e psicanalistas – entre outros.

 

 

GLÁUCIO SOARES              IESP-UERJ

ESTUDANDO A FELICIDADE

Agora, a felicidade é objeto de estudos sérios. É um tema que circula em todas as classes e centros, quase todos têm opinião sobre suas causas e consequências, mas até pouco tempo não era estudada cientificamente.

Agora é.

Entre os determinantes da felicidade, em sociedades orientadas para ao consumo, o salário aparece em primeiro lugar, mas a relação não é linear. Na Universidade de Princeton analisaram surveys e concluíram que ganhar 75 mil dólares por ano faz as pessoas felizes nos Estados Unidos. Porém, a partir deste nível, a relação é fraca: mais salario não significa mais felicidade. É um resultado ainda mais estranho por que a avaliação da própria vida responde a mais salario, mas a avaliação da própria felicidade não.

O caráter cultural dessa relação é intuitivo: em países pobres, a linha de corte, se houve uma, deve ser mais baixa.

E a jornada de trabalho? Simon Luechinger, um economista suíço, constatou que 33 horas semanais de trabalho é o que os trabalhadores querem e o que traz mais satisfação e felicidade. A partir dai as pessoas reclamam… na Suíça! Suponho sem poder provar por falta de dados que em países onde as jornadas são significativamente maiores, um corte de um ou duas horas semanais trará muita satisfação e felicidade. Estou sublinhando o caráter relativo da relação jornada/felicidade.

Nos países desenvolvidos, muitos dirigem ou vão de trem ou metro até o trabalho. Uma vez mais, economistas suíços entram em cena: descobriram que até 20 minutos de casa ao trabalho são aceitáveis. A partir dai, os trabalhadores chiam. Em megacidades como São Paulo e Rio de Janeiro, vinte minutos parecem um presente de Deus. O orçamento temporário de parte da população fica significativamente comprometido pelos problemas no tráfico e pela falta de transporte barato e adequado.

E os filhos? Alguma relação com a felicidade? Mikko Myrskylä e Rachel Margolis concluíram, com base em dados quantitativos, que ter um filho ou filha é uma fonte significativa de felicidade; um segundo ou uma segunda agrega mais felicidade, mas menos que o/a primeiro/a; a partir d@ terceir@ não há aumento da felicidade e, em um subconjunto, há diminuição.

Esses dados objetivam convencer os leitores de que a felicidade e suas correlatas podem ser estudadas objetivamente. Minhas ponderações foram no sentido de alertar para a sobre generalização. As regularidades empíricas que mencionamos não valem em todo tempo e lugar, e as variáveis mais significativas na determinação da felicidade também variam no tempo e no espaço e com a população estudada: não creio que sejam as mesmas para jovens e idosos.

 

 

GLÁUCIO SOARES          IESP-UERJ

Matando bebês

O homicídio de crianças é considerado o crime mais cruel e repugnante por várias culturas. Alder e Polk (2001) escreveram um livro sobre esse tipo de homicídio, Child Victims of Homicide .  Compararam a Austrália, o Reino Unido e a América do Norte, concluindo que as crianças representam entre dez e vinte por cento do total de homicídios nessas áreas. Não há “o” homicídio: há tipos variados de homicídios e as análises tendem a se concentrar seja na vítima, seja no algoz, seja na relação entre eles. Nos países com sistemas policial, judicial e estatístico muito deficientes, como é o caso do Brasil, estudar as vítimas é mais fácil do que os autores e as relações entre estes e as vítimas. Por isso, estudos desse tipo são muito mais numerosos. O primeiro ano de vida é o de maior vulnerabilidade e, nesse tipo de homicídio, os pais, particularmente a mãe, respondem por uma percentagem muito alta do total de assassinatos. Há uma subcategoria, os neo-naticídios, cujos autores são quase sempre as  mães.

Há um dia mais vulnerável na vida de uma criança do que todos os demais: o primeiro. É no primeiro dia de vida que mais crianças são assassinadas.

O infanticídio é uma prática antiga, mais do que documentada na antiguidade – na Grécia, em Roma, no Egito, em Israel, na China e muitas outras civilizações. O infanticídio, particularmente o feminino, ainda é praticado extensamente na Índia.

O infanticídio é um fenômeno mundial: Em dezembro de 2008, o renomado Australian Institute of Criminology  informou que em 2006/7 houve 752 homicídios cujas vitimas tinham idade inferior a 18 anos. Das vítimas com menos de dez anos, 91% foram mortas pela mãe, pelo pai, madrasta ou padrasto, sendo que alguns pelo casal[1]. Houve um aumento percentual em relação a 1989-90, porque esses homicídios permaneceram estáveis, mas os demais homicídios como um todo diminuíram.

Alder e Polk defendem que para poder explicar esses homicídios, é necessário começar separando os autores em dois grupos: familiares e não familiares. Uma segunda divisão separa autores homens de mulheres. A combinação dessas categorias indica dinâmicas muito diferentes, motivações diferentes, tipos diferentes.

Os autores argumentam contra  a teoria dicotômica que divide os homicídios de acordo com a idade, sendo os infanticídios os casos em que a vítima é menor do que uma certa idade que define um adulto a partir de um critério legal e não sociológico, nem psicológico ou criminológico. Criticam, também, a visão que defende, apenas, a substituição do critério dicotômico por um continuum. A justificativa do continuum  é múltipla: há, primeiro, uma redução no número de mortos na taxa de vitimização até a puberdade ou a juventude, quando os homicídios voltam a crescer. Porém, a autoria de pais e, sobretudo, mães, nesses homicídios é muito menor.

Alder e Polk inserem essas mudanças num contexto maior, do qual as relações sociais e interpessoais das crianças e, depois, dos adolescentes fazem parte. A exposição deles aos familiares diminui, ao passo que aumenta a exposição a terceiros, não-familiares. As suas atividades também mudam, se diversificam. Crescem, em muitos países, as mortes por acidentes, drogas e suicídios e, em países como o Brasil, na guerra do tráfico.

Muitos autores reservam o último capítulo de seus livros para a apresentação de uma teoria; Child Victims of Homicide não segue esse padrão. Os autores constatam e enfatizam que os infanticídios incluem tantas características, combinações e tipos diferentes que não há lugar para uma teoria unificadora.

Infelizmente, a compra e venda de órgãos e tecidos de recém-nascidos não escapou ao crime, como vem denunciando a jurista Michelle Oberman da Santa Clara Law.

Pior, o infanticídio múltiplo também é comum. Tomando exemplos franceses, Dominique Cottrez matou oito bebês seus em Villers-au-Tertre no norte da França entre 1989 e 2006; também em 2010, a justiça francesa condenou Celine Lesage na Normandia por ter assassinado seis dos seus próprios bebês. Às vezes, pai e mãe participam desse tipo de assassinato múltiplo: usando mais um exemplo francês, em 1984 o casal Jean-Pierre Leymarie e Rolande foi preso porque mataram sete de seus bebês. Outro caso notório, esta vez nos Estados Unidos, foi o de Andrea Yates que afogou suas cinco crianças na banheira.

A situação no Brasil, país com alta taxa de sub-registros, é pouco conhecida, mas evidências não sistemáticas sugerem que essa triste prática é comum, como é, mundo afora. Uma violência indescritível contra quem não pode se defender e ainda não viveu.

GLÁUCIO SOARES

Professor e Pesquisador, IESP-UERJ


[1] Ver Crime facts info no. 183, Child victims of homicide.

 

Conceber ou não: eis a questão

 

GLAUCIO ARY DILLON SOARES

Sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)

Os abortos são, no mínimo, um tema conflitivo. Entre adolescentes, são muito mais comuns do que forças organizadas da sociedade desejam, inclusive os movimentos feministas, que defendem o direito da mulher de abortar, mas não preconizam o aborto.

Abortos, além de matar o feto, trazem riscos para a mãe. Como reduzi-los? Como impedir as gravidezes não desejadas?

Surgiu uma proposta na Inglaterra de que as classes de educação e conscientização sexual dadas por outras adolescentes, em vez de professores e professoras, poderiam ser mais eficientes. Um dos argumentos era que adolescentes falariam melhor e mais livremente desses assuntos entre si do que com pessoas mais velhas e psicologicamente mais distantes.

Como deve acontecer, programas educacionais e sociais são testados e avaliados primeiro e somente implementados em larga escala depois. Porém, a revista de livre acesso PLoS Medicine acaba de publicar relatório segundo o qual um programa experimental baseado em aulas e conversas dirigidas por adolescentes mais experientes não reduziu a taxa de abortos entre adolescentes inglesas. Não obstante, as (os) adolescentes o preferem, o que levou as autoridades sanitárias a repensar o programa e não a excluí-lo.

O aborto por adolescentes é um problema de saúde pública no mundo, inclusive na Europa Ocidental, e é particularmente sério no Reino Unido. O mencionado estudo, conhecido como Ripple, foi levado a cabo por pesquisadores do University College London e dirigido por Judith Stephenson. Participaram 27 escolas e 9 mil alunas de 13 a 14 anos, que foram aleatoriamente distribuídas em dois grupos, o que recebeu educação sexual e informação tradicional, por meio dos professores, e o que recebeu a mesma informação por intermédio de outras adolescentes. O programa foi avaliado de duas maneiras: informações prestadas pelas próprias adolescentes, o que é menos confiável, e informações retiradas dos registros médicos e hospitalares. A primeira avaliação, feita quando as adolescentes tinham 16 anos, indicou um pequeno benefício do sistema baseado em colegas e a segunda não revelou qualquer benefício. Uma segunda avaliação, feita quando elas tinham 20 anos, não revelou qualquer benefício, inclusive quanto a doenças sexualmente transmissíveis. A ausência de benefícios foi notada no caso de alunos e de alunas.

Estudos realizados em diversas partes do mundo mostram que os problemas relacionados com a gravidez não desejada não terminam com o aborto; muitos começam com ele. Na Nova Zelândia, Fergusson, Horwood e Ridder estudaram a conexão entre ter feito um aborto e distúrbios mentais. Os resultados mostram que 41% das mulheres engravidaram pelo menos uma vez antes dos 25 e que 15% abortaram. As que abortaram desenvolveram altas taxas de depressão, ansiedade, ideações e tentativas de suicídio, assim como uso de drogas, mesmo depois de controladas outras variáveis relevantes.

Uma das pesquisas mais completas foi feita na Finlândia, por Gissler, Hemminki e Lönnqvist. A taxa média anual de suicídios na população feminina era de 11,3 por 100 mil habitantes. A taxa associada com o nascimento das crianças era mais baixa do que a média nacional, 5,9; a perda não desejada da criança durante a gravidez gerava uma taxa de suicídios muito mais alta, 18,1; e a taxa associada com o aborto induzido era muitíssimo mais alta, de 34,7 por 100 mil. As mulheres que, intencionalmente ou não, perdem filho antes do nascimento necessitam atenção especial.

Como esperado a partir da sociologia da família, os suicídios relacionados com os nascimentos eram mais altos entre adolescentes, mas o aborto provocado aumentava o risco de suicídio em todos os grupos de idade. As classes sociais também influenciavam, pois as mulheres mais pobres tinham maior probabilidade de suicídio e de serem solteiras. A ênfase nos abortos provocados talvez tenha concorrido para subestimar a significação do término não intencional da gravidez. Brier fez uma extensa revisão da literatura, que acaba de ser publicada, em que sublinha a depressão e a violência psicológica sentida por mulheres grávidas que perderam — não intencionalmente — seus bebês. Os sintomas são semelhantes aos provocados por outras grandes perdas, como o falecimento de um familiar, marcando a mulher, particularmente durante seis meses após a perda.

As violências associadas com a gravidez são um problema complexo e penoso que multiplicam os danos provocados pelo achismo. Não podemos formular políticas públicas na base de opiniões ou de ideologia. Os custos são muito altos. Interagem fatores tradicionalmente pesquisados pela saúde pública com outros também estudados pelos pesquisadores da violência e defensores da segurança cidadã. Políticas públicas orientadas para evitar gravidezes não desejadas são muito mais inteligentes do que as orientadas para terminá-las.