Arquivo da categoria: psicologia do medo

Porque a Polícia do Rio enxuga gêlo

 

 

Pelo que nos conta o Zeca Borges, os desencontros entre o trabalho policial e as decisões dos juízes continuam, com perigo para a população. O exemplo mais recente seria o seguinte:

 

“Porque a Polícia do Rio enxuga gêlo”

Identificado graças ao Disque-Denúncia, Thiago da Silva Pinto, condenado por roubo, obteve da Justiça o direito ao regime semiaberto e, sete dias depois, em janeiro passado, não voltou mais a sua unidade prisional. Ficou livre para, na última segunda feira, assassinar o professor de educação física e personal trainer Sylvio José Correa Travancas, de 51 anos, durante uma tentativa de assalto na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Thiago é conhecido nas rodas do crime pelo apelido de Peixe Bunda.”

Meu comentário:

Um cidadão carioca morreu porque um criminoso perigoso foi condenado ao regime semi-aberto. Uma semana depois não voltou mais para a prisão. Assaltou e matou Sylvio José Correa Travancas. Quem soltou o criminoso contribuiu para a morte de Sylvio. É preciso que os juízes aceitem a responsabilidade pelos seus erros, tanto para mais, quanto para menos.

As vítimas secúndárias, os familiares e amigos, deveriam poder questionar os juízes que soltaram criminosos perigosos que soltaram que mataram seus seres queridos. As vítimas e seus parentes e amigos também tem direitos!

Temos que melhorar as prisões, transformando as masmorras atuais em prisões decentes e também temos que proteger a cidadania, gente como você e eu, mantendo  na prisão criminosos violentos e/ou contumazes por um tempo compatível com a sua periculosidade.

 

GLÁUCIO SOARES                       IESP-UERJ

As vítimas ocultas

A observação dos familiares e amigos das vítimas, fatais ou não, da violência abriu novo caminho de pesquisa. Tive que aprender muito, porque parte grande das análises fôra feita por psiquiatras, psicólogos e psicoanalistas. Gerou necessidade de aprendizagem e de cautela. Fizemos ampla pesquisa com as vítimas ocultas. Dei uma entrevista sobre esta pesquisa para Thais Aguiar em 11/03/2005

Esse interesse foi precedido por artigos como A PSICOLOGIA DO MEDO, publicado em O GLOBO 21/05/02, pág. 7, outro O medo invisível, publicado no JB em 10/10/2004

As vítimas ocultas

A observação dos familiares e amigos das vítimas, fatais ou não, da violência abriu novo caminho de pesquisa. Tive que aprender muito, porque parte grande das análises fôra feita por psiquiatras, psicólogos e psicoanalistas. Gerou necessidade de aprendizagem e de cautela. Fizemos ampla pesquisa com as vítimas ocultas. Dei uma entrevista sobre esta pesquisa para Thais Aguiar em 11/03/2005

Esse interesse foi precedido por artigos como A PSICOLOGIA DO MEDO, publicado em O GLOBO 21/05/02, pág. 7, outro O medo invisível, publicado no JB em 10/10/2004

PSICOPATAS DO QUODITIANO

PSICOPATAS DO QUODITIANO

Pensamos em psicopatas como Hollywood o faz: serial killers, estupradores sádicos etc. Porém, há psicopatas menos óbvios, e há de sobra. Muitos leigos acham que a desordem “está na cara”, mas não está; que seja só “de homens”, mas não é. A mãe de uma aluna mentia, enganava e roubava com uma cara deslavada. Porém, a patologia explodiu e tentou matar o marido com uma faca. Teve que ser internada. Até então, ninguém fora da família suspeitava que ela era uma psicopata. O interesse da aluna não era acadêmico: queria saber se estava fadada a ser psicopata também.
Robert Hare, um especialista mundial em psicopatologias, diz que há muitos psicopatas e não é fácil detetá-los. Falam como você, se vestem como você, parecem com você. Aliás, você pode ser psicopata e não saber. Poucos psicopatas sabem que são psicopatas. Muitos são encantadores, divertidos; leva muito tempo até identificar essa perigosa desordem de personalidade.
Paul Babiak é um psicólogo, consultor de empresas preocupadas com o prejuízo causado por executivos e empregados psicopatas. Psicopatas podem subir nas empresas, até os cargos mais altos, mas é difícil vê-los como são: insinceros, arrogantes, muito manipuladores, insensíveis aos demais; se lixam com os pensamentos, emoções e dores alheias. Fazem alianças, mas apenas na medida em que os beneficiem. São logo descartadas. Acusam os demais por quaisquer problemas e seus próprios fracassos. Os demais são objetos. Psicopatas podem causar muita dor. Muitos desviam dinheiro, dão desfalques e fraudes, mas poucos são detetados e presos antes de prejudicar muita gente. O escândalo da Enron é emblemático.
O capitalismo selvagem tornou a detecção dos psicopatas mais difícil. Alguns dos comportamentos “típícos” foram incorporados pelo capitalismo do espírito (não se trata do espírito do capitalismo), pelo consumerismo. Num modelo que soma zero, se os valores materiais crescem, os humanos, religiosos e éticos decrescem. A ampla aceitação da “Lei de Gerson” tornou mais difícil distinguir psicopatas de não-psicopatas. Vários comportamentos passaram a ser iguais. O consumo é um vício que passou a ser a sua própria justificativa. Os símbolos políticos ruíram, alguns por obra de psicopatas, outros não. Os deputados do mensalão são psicopatas ou simples corruptos? O juiz Nicolau e Luiz Estevão o que são? Os milhares de funcionários públicos que recebem e não trabalham? E os que perseguiram Eduardo Jorge?
Quando a ética desaparece e a sociopatia deixa de ser um fenômeno individual para ser um traço social e cultural, o que define um psicopata? Os psicopatas “sub-clínicos” quase não se distinguem da maioria da população.
O conhecimento está muito concentrado nos psicopatas violentos. Um estudo de 125 assassinos canadenses encontrou uma correlação entre escores numa escala de psicopatia (PCL-R) e o tipo de homicídio: 93% eram instrumentais, práticos, frios. Hare estima que, no Canadá, pouco mais de 1% da população é psicopata. Há estimativas piores. Se essa percentagem fôr válida no Brasil, temos perto de dois milhões de psicopatas! Poucos são violentos, mas todos são manipuladores, insensíveis, egoístas extremos. Hare os denominou “subclínicos”. Vê-los e identificá-los antes que êles nos vejam é importante, sobretudo para os policiais: nos Estados Unidos, 1% a 3% da população, 20% a 25% dos presos e quase 50% dos assassinos de policiais são psicopatas.
Como se “fabrica” um psicopata? Há uma discordância antiga entre genética e fatores sociais, nature vs nurture. Todos ganhariam trabalhando juntos, mas poucos o fazem. A genética tem um papel. Em Copenhagen os pais biológicos de crianças psicopatas adotadas tinham uma probabilidade 4 a 5 vezes mais alta de serem psicopatas. Muitos estudos sobre gêmeos, bi e monozigóticos, e sobre adotados mostram a importância dos fatores genéticos, mas há exceções. As explicações sociais extrapolam de estudos que mostram que famílias disfuncionais, violentas, inconsistentes e de um só adulto produzem muito mais delinquentes e criminosos do que as famílias integradas. Porém, muitos desses estudos não sublinham os efeitos da família, mas da falta dela, ao mostrar que parte significativa da delinquência e do crime são aprendidos na rua.
Quaisquer que sejam as causas, muito passa pelo cérebro, que é diferente: Diana Fishbein encontrou diferenças claras entre psicopatas e não psicopatas em situação de risco usando PET scans. Adrian Raine comparou 22 assassinos com 22 controles, demonstrando diferenças na absorção de glucose no cortex pre-frontal. Dominique LaPierre também encontrou problemas nessa área. O hipocampo, uma área do cérebro, parece regular a agressividade e a aprendizagem sobre quais as situações que devem provocar medo. Raine, em outro estudo, aplicou MRI e uma bateria de testes a 91 homens. O grupo foi subdividido em dois, os que haviam cometidos crimes e foram presos e os que admitiram ter cometido crimes, mas não foram presos, além de um grupo controle de pessoas normais. Verificaram que o corpus callosum, localizado no hipocampo, era, na média, 23% mais largo e 7% mais comprido. O tamanho do corpus callosum se correlacionou com menos remorso, menos emoções e menos conexões sociais. Noventa e quatro porcento dos psicopatas que foram presos tinham o lado direito do hipocampo maior do que o esquerdo, ao passo que entre os demais essa percentagem era inferior a 50%. O volume do corpus callosum também se associa com deficiências na área afetiva e interpessoal entre outras características.
Psicopatas são atraídos pelo poder, não somente no sentido “macro”, mas no sentido micro também. Buscam chefias, diretorias, participação em conselhos, representante disso ou daquilo. Porém, são projetos de poder e não de realização de um programa nem de serviço a uma comunidade. Há psicopatas e narcisistas em posições que vão desde a presidência de países, governadores, presidentes de empresas, lideres de torcidas, presidentes de sindicatos, até síndicos e líderes de gangue. O efeito cresce com o poder em suas mãos. Fritz Redlich é um médico que estuda as catástrofes provocadas pelos psicopatas que ocuparam o poder mais alto em diferentes países (como Hitler, Stalin, Slobodan Milosevic, Saddam Hussein, Adi Amin Dada). Até em níveis modestos, os psicopatas usam o poder para punir e perseguir muitas pessoas de maneira cruel porque não sentem pena nem remorso.

Encontramos psicopatas em todos os lugares. Você morar ao lado de um, morar com um, ou até ver um no espelho.

(deve ser publicado no Jornal do Brasil).
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