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um abraço

 

GLÁUCIO SOARES        IESP/UERJ

Continua o descenso dos homicídios no Estado do Rio de Janeiro

Novos dados revelam que continua o descenso dos homicídios no Estado do Rio de Janeiro. Dados relativos aos cinco primeiros meses deste ano (2012) mostram uma redução de perto de oito por cento em relação a igual período no ano que passou, quando foram assassinadas 1.945 pessoas, 161 a menos do que no mesmo período em 2011.Se somarmos os latrocínios (que não são computados separadamente na maior parte do mundo com estatísticas confiáveis), o ganho é menor, 142 vidas. 

O ISP vem usando um indicador de letalidade que incorpora os latrocínios e as lesões corporais seguidas de morte, um avanço na elaboração estatística. Nos mesmos cinco meses, foram mortas 2.048 pessoas, 271 a menos em igual período no ano passado (2011). A taxa de homicídios por 100 mil habitantes do período ficou em 10.9, aproximando-se de uma das metas clássicas, a de baixar de dez mortes por cem mil habitantes.    


              GLÁUCIO SOARES    IESP-UERJ

As Políticas Estaduais e as Tendências do Crime

         Uma comparação entre diferentes tipos de trajetórias municipais elucida o pensamento e contribui para a construção de teorias.

Em dois municípios, Maceió e Salvador, o número absoluto de homicídios explodiu de 2002 a 2006: 511 em 2002; 520; 559; 620 em 2005 e 899 em 2006. Os homicídios em Salvador dobraram durante esses anos: 585, 730, 739, 1.062 e 1.176, respectivamente. Não obstante, Maceió é uma cidade muito mais violenta, com uma taxa de 81 homicídios por cem mil habitantes, em comparação com 36 em Salvador. Porto Seguro, também na Bahia, quadruplicou os homicídios durante o período: 32; 37; 53; 92 e 124. Com 86 homicídios por 100 mil habitantes, já é o 16º município mais violento do Brasil. Esses são municípios nos quais os crimes violentos crescem rapidamente. Há vários outros municípios nesses estados apresentando rápido crescimento da violência.

No Estado de Alagoas a taxa de vitimização masculina cresceu muito: de 38 por 100 mil homens em 1999, para 48 em 2000, 56 em 2001, 65 em 2002 e 77 em 2005. Dobrou em seis anos. Em 2007, pela primeira vez, o número absoluto dos homicídios superou a marca de dois mil. Na Bahia, se estabeleceu uma tendência ao crescimento a partir de 1999. As taxas masculinas saltaram de menos de 13 por 100 mil a mais de 39 em 2005; a taxa de 2006 é o triplo da de seis anos antes.

         Porém, a tendência ao crescimento não é geral no Brasil: há um número grande de municípios nos que as taxas se estabilizaram num patamar alto, oscilando pouco durante esse período. Vários municípios fluminenses e pernambucanos estão nessa situação, mas há municípios em outros estados, como o Espírito Santo, com padrão semelhante. Duque de Caxias, no Estado do Rio, teve 655 homicídios em 2002; 703 em 2003; baixou para 605 em 2004, subiu para 710 em 2005 e baixou um pouco, para 686, em 2006. Era o 21º município mais violento do país, de acordo com o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, 2008, com uma taxa de 81 homicídios por cem mil habitantes. Em Macaé, os homicídios variaram entre 113 e 163, subindo e descendo, mas a taxa média trienal é muito alta: 86 por 100 mil hbs. Recife, o nono município mais violento do Brasil neste período, com a altíssima taxa de 91 por 100 mil, oscilou entre 1.312 e 1.375.  Em Jaboatão dos Guararapes, também em Pernambuco, o número de homicídios subiu e desceu entre 442 e 535. Nesses estados, há vários municípios cujas taxas oscilaram num nível alto.

         Há mais dois tipos tendências dos homicídios municipais: os que conseguiram reduzir sua taxa de homicídios durante o período e os que vinham na desastrosa rota do crescimento, que foi alterada, iniciando um declínio.

Diadema, em São Paulo, é conhecida devido à dramática redução no número de homicídios de 2002 a 2006: 325; 297; 213; 177 e 121, respectivamente. A taxa do município declinou auspiciosamente no período 79,1; 71,3; 50,0; 42,9 e 26,3. Porém, em verdade, a redução começou antes. Já esteve entre os três mais violentos do país; hoje está em 190º lugar.

         Diadema não é uma experiência única no Estado de São Paulo. Há muitas outras. Barueri, por exemplo, cortou 2/3 dos seus homicídios no mesmo período: 43; 44; 26; 25 e 14. Com uma taxa trienal de 26, Barueri caminha a passos largos para ser uma cidade pacífica. A queda no número de homicídios é acelerada e generalizada em São Paulo. No estado como um todo os homicídios no primeiro semestre baixaram de 2.218 em 2005, a 1.623 em 2006 e a 1.320. Em 2007 morreram 898 pessoas a menos do que dois anos antes. Esses são os ganhos do primeiro semestre. O fenômeno é geral: houve redução em todos os lugares do Estado – na capital, na área metropolitana (excluindo a capital) e no interior do Estado. Somente na capital morreram 376 pessoas a menos; na área metropolitana foram salvas 219 vidas e no interior do Estado mais de trezentas pessoas deixaram de morrer. Houve redução de 2005 para 2006, e de 2006 para 2007.

         Em municípios mineiros podemos observar outro padrão: crescimento até 2003, seguido por redução. Em Contagem, por exemplo, os homicídios cresceram de 288, em 2002, a 329, em 2003; a 374, em 2004, quando se iniciou a queda 359, em 2005 e 300 em 2006. Porém, o melhor exemplo é o de Belo Horizonte: os homicídios cresceram de 979 em 2002 a 1.506 em 2004, declinando nos dois anos posteriores – 1.293 e 1.168. A taxa trienal de hoje em Belo Horizonte, 57 por 100 mil, seria impensável há vinte anos. Outros municípios mineiros também apresentam essa trajetória curvilinear.

         Esses dados geraram perguntas, que produziram respostas, que levaram a uma generalização importante:

1.     Por que vários municípios alagoanos e baianos tiveram um aumento acentuado na violência letal nos anos observados?

2.     Por que vários municípios pernambucanos e do Estado do Rio de Janeiro tiveram taxas relativamente altas, que oscilaram pouco?

3.     Por que tantos municípios paulistas tiveram reduções substanciais nas taxas de homicídio?

4.  Porque tantos municípios mineiros tiveram um forte incremento na violência de 1995 a 2003? Porque, a partir de 2003, vários tiveram uma redução acentuada, particularmente na região metropolitana de Belo Horizonte?

         A semelhança entre as tendências de diferentes municípios do mesmo estado sublinha a importância dos estados. As taxas de homicídio covariam mais entre os municípios do mesmo estado do que entre municípios de estados diferentes. Mas, o que acontece nos estados que impacta as taxas de homicídio? Os dados socioeconômicos variam entre os estados, mas também variam muito dentro dos estados. Capitais e regiões metropolitanas diferem muito no que concerne a economia e a sócio-demografia, sendo difícil explicar algumas tendências semelhantes exclusivamente a partir desses fatores divergentes.

Os dados captam o efeito de uma difícil interação entre variáveis econômicas e sociais e políticas públicas. No Brasil, a segurança pública é jurisdição de cada estado, e as políticas públicas mais relevantes no combate ao crime e à violência são estaduais. Em outros países, como a Colômbia, a segurança pública é predominantemente de jurisdição municipal. No Brasil, a predominância estadual não significa que os demais níveis da administração pública não contribuam. Diadema é um exemplo de como os municípios podem contribuir e o PRONASCI e a SENASP são exemplos de participação federal construtiva, assim como os PACs, que são parcerias. Mas o segredo está nos estados.

Bons governos estaduais salvam vidas.

Publicado no Jornal do Brasil de 27/02/2009