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Os americanos e as armas

A insistência americana em manter uma política sem limites em relação às armas de fogo surpreende observadores e estudiosos em muitos países. Não obstante, se mesmo uma análise inicial mostra diferenças muito grande entre os Estados Unidos e outros países semelhantes, uma análise mais detalhada demonstra que a população americana não é homogênea no que concerne o apoio às políticas existentes sobre as armas de fogo.

As diferenças entre os Estados Unidos e outros países com alta renda per capita de língua inglesa são muito grandes. Os Estados Unidos são o país com mais armas em mãos de civis por cem residentes no mundo. Mais de noventa. Comparando a percentagem dos homicídios cometidos com armas de fogo, vemos os Estados Unidos nessa indesejável liderança, com 64%, seguida pelo Canadá, com 30%, da Austrália, com 13% e da Inglaterra e País de Gales, com 4%.

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Essa ordem se reflete na taxa de homicídios?

Sem dúvida: os dados mais recentes, do Banco Mundial (2015) mostram que a ordem é a mesma: Estados Unidos (5 por 100 mil), mais do que o dobro da taxa canadense de 2 por 100 mil, cinco vezes a da Austrália, de um por cem mil, e muitas vezes a do Reino Unido, que é inferior a um.

Vamos olhar, agora, dentro dos Estados Unidos. O número de suicídios com armas de fogo é muito maior do que o de homicídios:

O número de homicídios por armas de fogo esconde um efeito ainda pior da política de armas nos Estados Unidos: há muito mais suicídios do que homicídios com armas de fogo. Margot Sanger-Katz sintetizou bem esse ponto: “Quando americanos pensam a respeito das mortes devidas às armas de fogo, focam nos homicídios. Porém, não há como escapar do problema dos suicídios com armas de fogo: mais de 60 por cento [das mortes com armas de fogo] são suicídios (NYT, 8/10/2015).”

Porque os suicídios são vistos com mais naturalidade do que os homicídios, essas são cifras ocultas. O grande público não as menciona, a mídia raramente as cita. Não obstante, são mortes de seres humanos. E não atingem somente idosos: os suicídios são a segunda causa de morte de americanos jovens, entre 15 e 34 anos. Mais anos de vida perdidos. Contudo, os americanos não são monoliticamente contra o controle das armas de fogo.

Internamente, os Estados Unidos estão muito divididos no que concerne o controle de armas. Há divisões esperadas e divisões que surpreendem o público leitor. As mulheres querem o controle mais do que os homens (58% x 40%). A idade também: quanto mais velho, mais favorável às armas. O local de moradia conta bastante: 33% dos rurais; 50% dos suburbanos e 57% dos urbanos. As regiões também variam muito no apoio que dão ao controle de armas – varia de 36% a 61%. A geopolítica conta. A religião, como esperado, é dos fatores mais relevantes, pois o apoio ao controle de armas: os evangélicos, mais conservadores, são os que menos apoiam o controle de armas (29%); a maioria dos protestantes também é contrária: 41% apoiam o controle; finalmente, consistentemente com a doutrina de defesa à outrance da vida (contra o aborto, contra a eutanásia e contra a pena de morte), os católicos são os que mais favorecem o controle das armas (62%). É uma diferença de mais de trinta pontos percentuais em relação aos evangélicos.

A raça conta muito, mas não são os negros os que mais querem o controle: são os hispânicos. 75% deles favorecem o controle de armas, mais do que os negros (66%) e os brancos (42%).

Temos, portanto, uma população dividida, que mais parece um mosaico de opiniões. Há pontos específicos apoiados tanto pela maioria dos democratas, quanto pela maioria dos republicanos, como uma verificação rigorosa dos antecedentes dos compradores, para garantir que não é um doente mental nem um terrorista.

Os dados são acachapantes. Em uma década, de 2005 a 2015, houve 301.797 mortes por armas de fogo nos Estados Unidos, em comparação com 71 mortes por terrorismo dentro do território americano. Não obstante, há muito, mas muito mais apoio a uma pesada e custosa guerra ao terrorismo, seja onde for, do que ao controle das armas de fogo.

Não obstante, a NRA, defensora intransigente da total liberdade de usar armas, com vínculos estreitos com a indústria armamentista, se opõe a qualquer restrição.

Como explicar essa estagnação? Porque uma postura que é levemente majoritária (e já foi mais) no plano da opinião pública não se impõe nas eleições e nas políticas públicas?

A primeira explicação vem do lado da apatia política. Ela é grande e não é homogênea. Sessenta e dois por cento dos americanos não registrados para votar apoiam o controle de armas. Maioria sólida, mas não votam. Já do lado dos registrados para votar, cerca de 45% favorecem algum controle sobre as armas.

A preferência partidária divide bem a população em relação às armas. Quem favorece o controle das armas? Apenas 26% dos republicanos. Os independentes racham no meio. E a maioria dos democratas apoia as restrições. Entretanto, os democratas participam menos e votam menos. A influência da preferência partidária pode ser ampliada porque nem republicanos ou democratas são homogêneos. Vinte e um por cento dos republicanos mais de direita, autodenominados conservadores, apoiam o controle das armas; a percentagem é maior entre os republicanos moderados, 37%. Do lado dos democratas acontece o mesmo: dois em cada três moderados apoiam o controle, que é apoiado por três em cada quatro dos democratas liberais.

Assim, as explicações baseadas na “cultura de armas” ajudam a explicar diferenças entre os Estados Unidos e outras nações, mas essa explicação é incompleta, porque, naquele país, ou em qualquer outro, há heterogeneidade interna, mas a crença na existência de uma cultura homogeneamente pró-armas impede a incorporação desse mosaico de crenças e opiniões, que é muito importante e fecundo.

Mesmo assim, as matanças são tão comuns que mudaram a opinião pública americana. A maioria dos americanos quer leis mais restritivas em relação às armas, de acordo com a última pesquisa da Quinnipiac University.

Finalmente, para completar a análise da influência da política nas contradições americanas a respeito das armas de fogo, é preciso colocar a NRA no tabuleiro.

Quanto gasta a NRA com a política? Nas campanhas eleitorais, menos do que parece. De acordo com a OpenSecrets, em 2014, ela gastou quase um milhão de dólares em contribuições políticas. Gastou mais no que ela faz de melhor, o lobbying: três milhões. Gastos em outras rubricas são maiores: em 2012, foram quase vinte milhões em candidatos que fizeram o possível para eximir as armas de qualquer responsabilidade pelo massacre de San Bernardino. E tanto em 2013 quanto em 2014 gastou quase trinta milhões em contribuições políticas “externas”. Menos do que várias operações investigadas pela Policia Federal em contribuições partidárias e pessoais ilegais no Brasil.

De onde vem o sucesso da NRA? De uma política de targetting os adversários mais relevantes. A NRA dedica muitos recursos aos principais oponentes da política de liberdade total de propriedade, porte e uso de armas. É uma estratégia que não poderia funcionar em um regime proporcional, mas em um regime que elege um representante por distrito, basta eleger os adversários e concentrar os recursos em campanhas desacreditando-os e no financiamento do seu competidor. Num sistema proporcional teria que financiar dezenas lautamente em cada estado. No Brasil, as empresas das armas se concentram em eleger simpatizantes e representantes, o lobby da bala, ao passo que, nos Estados Unidos, a preocupação é com a não eleição dos principais opositores dos interesses da indústria armamentista.

A justiça também foi um instrumento na manutenção dessa política radical em relação às armas de fogo. As questões constitucionais são decididas por ela.

A composição da Supreme Court é importante para entender seu papel político. Os seus membros não têm mandato fixo nem idade máxima para se aposentar. Antonin Scalia foi nomeado por Reagan para a Supreme Court, em 1986 e foi diretamente responsável por posições de direita. Scalia esteve trinta anos no Supremo e deixou a sua marca. A sua composição interna é muito relevante, porque há uma figura acima dos demais, chamado de Chief Justice of the United States, e oito juízes. É costume chamar o Supremo com o nome do juiz que mais influenciou o conjunto. Assim, houve uma Scalia Court caracterizada por ser muito à direita. No que concerne as armas, um obstáculo à implementação de políticas públicas que reduzem as mortes violentas, veio da decisão da Supreme Court que derrubou importante iniciativa do District of Columbia, onde está a cidade de Washington, para controlar o porte de armas (D.C. vs Heller). Assim, o caráter muito conservador da Supreme Court durante um amplo período foi um instrumento relevante na manutenção dessa política radical em relação às armas de fogo.

Há muito mais. Não obstante, sem, pelo menos, essas informações e análises, é difícil entender a política de armas de fogo americana.

GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ

Vidas desiguais, mortes desiguais

Durante os “bons anos” pós Estatuto e durante a era Beltrame houve uma redução na taxa de mortes por homicídios no Estado do Rio de Janeiro tanto entre brancos quanto entre negros. Se quiserem dar-nos a honra de uma leitura, Sandra Andrade e eu analisamos séries temporais que mostram que persistiram diferenças absolutas entre a vitimização dos negros e a dos brancos. O artigo se chama “Vidas Desiguais, Mortes Desiguais” e está disponível em

opiniaopublica.ufmg.br

http://opiniaopublica.ufmg.br/site/files/artigo/7-vidas-glaucio1.pdf

É proibido pesquisar as consequências das armas de fogo!

O lobby da bala americano impediu que continuassem as pesquisas científicas sobre as consequências das armas de fogo que eram financiadas pelo CDC. Hoje, o autor da emenda que leva o seu nome mostra profundo arrependimento em função das carnificinas que, indiretamente, ele facilitou.

Em 1996, o deputado americano Jay Dickey (Republicano do Estado de Arkansas), apoiado pela NRA (National Rifle Association), apresentou um projeto de lei que foi aprovado e recebeu o nome do deputado, sendo chamado de “Dickey Amendment”, a Emenda Dickey. É uma lei proibitiva que impede o governo federal de financiar pesquisas sobre as consequências das armas de fogo. O CDC, Center for Disease Control, financiava algumas pesquisas através do National Center for Injury Prevention. Inicialmente, a ultra direita tentou fechar esse centro de pesquisas que é universalmente conhecido; não conseguindo o objetivo maior, concentrou seu poder político para proibir pesquisas cientificas sobre as consequências das leis sobre armas de fogo, seu uso e muito mais. Não conseguiram. Dickey calculou quanto o CDC gastava com essas pesquisas, chegando à modestíssima cifra de 2,6 milhões de dólares. Para dar uma ideia de quão modesto é esse total, o nosso conhecido José Hawilla foi acusado de extorsão, fraude e lavagem de dinheiro, concordando em devolver 151 milhões de dólares. É o equivalente ao que o CDC gastaria em pesquisas sobre armas durante 58 anos.

A lei foi aprovada há vinte anos, período durante o qual centenas de milhares de americanos morreram graças às armas de fogo. Agora, o ex-deputado Dickey admite culpa e responsabilidade porque o país não progrediu nessa área e declara que gostaria que o Congresso modificasse sua própria lei.

Veja a entrevista:

The Congressman Who Restricted Gun Violence Research Has Regrets

Rep. Jay Dickey (R-Ark.) authored the controversial 1996 amendment that remains in place. He wishes Congress would change it.

huffingtonpost.com

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GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ


[i] Morton E, Runyan CW, Moracco KE e Butts J., Partner homicide-suicide involving female homicide victims: a population-based study in North Carolina, 1988-1992, em Violence Vict. 1998 Summer;13(2):91-106.

[ii] Kathryn E. Moracco, Carol W. Runyan e John D. Butts, Femicide in North Carolina, 1991-1993, A Statewide Study of Patterns and Precursors, em Homicide Studies.

É proibido pesquisar as consequências das armas de fogo!

O lobby da bala americano impediu que continuassem as pesquisas científicas sobre as consequências das armas de fogo que eram financiadas pelo CDC. Hoje, o autor da emenda que leva o seu nome mostra profundo arrependimento em função das carnificinas que, indiretamente, ele facilitou.

Em 1996, o deputado americano Jay Dickey (Republicano do Estado de Arkansas), apoiado pela NRA (National Rifle Association), apresentou um projeto de lei que foi aprovado e recebeu o nome do deputado, sendo chamado de “Dickey Amendment”, a Emenda Dickey. É uma lei proibitiva que impede o governo federal de financiar pesquisas sobre as consequências das armas de fogo. O CDC, Center for Disease Control, financiava algumas pesquisas através do National Center for Injury Prevention. Inicialmente, a ultra direita tentou fechar esse centro de pesquisas que é universalmente conhecido; não conseguindo o objetivo maior, concentrou seu poder político para proibir pesquisas cientificas sobre as consequências das leis sobre armas de fogo, seu uso e muito mais. Não conseguiram. Dickey calculou quanto o CDC gastava com essas pesquisas, chegando à modestíssima cifra de 2,6 milhões de dólares. Para dar uma ideia de quão modesto é esse total, o nosso conhecido José Hawilla foi acusado de extorsão, fraude e lavagem de dinheiro, concordando em devolver 151 milhões de dólares. É o equivalente ao que o CDC gastaria em pesquisas sobre armas durante 58 anos.

A lei foi aprovada há vinte anos, período durante o qual centenas de milhares de americanos morreram graças às armas de fogo. Agora, o ex-deputado Dickey admite culpa e responsabilidade porque o país não progrediu nessa área e declara que gostaria que o Congresso modificasse sua própria lei.

Veja a entrevista:

The Congressman Who Restricted Gun Violence Research Has Regrets

Rep. Jay Dickey (R-Ark.) authored the controversial 1996 amendment that remains in place. He wishes Congress would change it.

huffingtonpost.com

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GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ


[i] Morton E, Runyan CW, Moracco KE e Butts J., Partner homicide-suicide involving female homicide victims: a population-based study in North Carolina, 1988-1992, em Violence Vict. 1998 Summer;13(2):91-106.

[ii] Kathryn E. Moracco, Carol W. Runyan e John D. Butts, Femicide in North Carolina, 1991-1993, A Statewide Study of Patterns and Precursors, em Homicide Studies.

MULHERES ASSASSINADAS: quem as mata e de que maneira?

 

Uma pesquisa, levada a cabo na Carolina do Norte, analisou os casos de homicídio nos que a vítima era mulher e que aconteceram de 1988 a 1992.[i] Houve um total de 116 casos com 119 vítimas (em alguns casos houve mais de uma vítima). A informação inicial foi retirada dos arquivos do medical examiner (talvez melhor traduzido por médico forense).

Em 86% dos casos, o homicida era ou tinha sido o parceiro da vítima. A razão mais frequente encontrada era a separação (41% dos casos) e um dos sinais mais frequentes era uma história de violência doméstica (29%, que deve ser uma subestimativa porque não sabemos em quantos casos não houve denúncia). Um em cada quatro dos assassinos se suicidou posteriormente e 3% tentaram o suicídio, mas não morreram. A ineficiência do sistema policial-legal fica patenteada porque metade dos casos em que houve violência doméstica a vítima tinha buscado proteção legal ou policial. O rol das vítimas é ainda maior, porque em 43% dos casos, filhos (as) da vítima ou do assassino testemunharam o homicídio, estavam perto, descobriram o (s) cadáver (es) ou foram mortas também.

A causa próxima mais frequente do homicídio foi a separação por parte da vítima (41%) e a segunda mais frequente era um histórico de violência doméstica (29%).

Em outra pesquisa, no mesmo estado, foram codificadas e estudadas, caso a caso, todas as mulheres vítimas de femicídio com 15 e mais anos de idade, de 1991 a 1993. Os resultados confirmam os encontrados na pesquisa anterior. Nada menos do que 54% dessas mortes foram cometidas com armas de fogo e duas em três ocorreram em casa, numa residência. Mais de metade foi morta pelo parceiro ou ex-parceiro e, dessas mortes, duas em cada três foram precedidas por algum tipo de violência doméstica que chegou ao conhecimento das autoridades.[ii]

Na maioria dos casos, e mulher e os filhos ou filhas, assim como o assassino, foram mortos com armas de fogo. Não obstante, como uma parte significativa desses homicídios familiares se dá longe da mídia, a população, inclusive as mulheres, vive preocupada com o latrocínio, o homicídio cometido como parte, desejada ou não, planejada ou não, de um assalto.

Há dezenas de pesquisas sobre o femicídio, em lugares e momentos diferentes, que chegaram a conclusões semelhantes.

A maior ameaça à vida de uma mulher não é o bandido que ninguém vê, mas é o assassino escondido em pele de cordeiro, do marido, namorado, ou ex-marido ou ex-namorado, munido de uma arma de fogo.

 

 

GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ


[i] Morton E, Runyan CW, Moracco KE e Butts J., Partner homicide-suicide involving female homicide victims: a population-based study in North Carolina, 1988-1992, em Violence Vict. 1998 Summer;13(2):91-106.

[ii] Kathryn E. Moracco, Carol W. Runyan e John D. Butts, Femicide in North Carolina, 1991-1993, A Statewide Study of Patterns and Precursors, em Homicide Studies.

Continuemos salvando vidas!

A indignação do povo americano com os massacres é crescente. Os médicos, que lidam com os danos causados pelas armas de fogo, querem a retomada das pesquisas científicas sobre as armas e suas consequências:

http://thinkprogress.org/health/2015/12/02/3727406/doctors-gun-violence-research/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=tptop3&utm_term=3&utm_content=5

Manifesto contra a revogação do Estatuto do Desarmamento

Continuemos salvando vidas!

A indignação do povo americano com os massacres é crescente. Os médicos, que lidam com os danos causados pelas armas de fogo, querem a retomada das pesquisas científicas sobre as armas e suas consequências:

http://thinkprogress.org/health/2015/12/02/3727406/doctors-gun-violence-research/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=tptop3&utm_term=3&utm_content=5

Manifesto contra a revogação do Estatuto do Desarmamento

O Desarmamento e seus efeitos na Áustria

O Desarmamento e seus efeitos na Áustria

Uma equipe de pesquisadores austríacos, Kapusta, Etzersdorfer, Krall e Sonneck pesquisaram os efeitos na reforma legislativa na Uniao Europeia sobre as taxas de homicídio e de suicídio na Áustria. Seus resultados foram publicados no importante British Journal of Psychiatry. Descobriram que a presença de armas em casa é um fator de risco do suicídio e do homicídio domésticos.

Como fizeram a pesquisa? Relacionaram as estatísticas oficiais da Áustria sobre as permissões para ter armas de fogo de 1985 a 2005, assim como os dados sobre suicídios e homicídios com armas de fogo. Estavam interessados em verificar se a nova lei sobre armas de fogo teve algum impacto e qual a direção. Usaram regressões lineares e regressões de Poisson usando dados dos dois períodos, antes e depois da reforma que restringiu as licenças para ter armas de fogo. Constataram que a presença de uma ou mais armas de fogo em casa aumenta os suicídios e os homicídios. Concluem, congruentemente, que uma das maneiras de reduzir essas ocorrências é restringir o acesso a armas de fogo.

Após analisar detalhadamente os dados concluíram, coerentemente, que em vários grupos de idade a taxa de homicídios com armas de fogo passou a ser significativamente menor após as leis mais duras. Além da taxa de homicídios com armas de fogo, a taxa de suicídios com armas de fogo também baixou e, como esperado, a percentagem de pessoas com licença para ter armas de fogo.

Saiba mais:

Nestor D. Kapusta, Elmar Etzersdorfer, Christoph Krall, Gernot Sonneck, Firearm legislation reform in the European Union: impact on firearm availability, firearm suicide and homicide rates in Austria, The British Journal of Psychiatry Aug 2007, 191 (3) 253-257; DOI: 10.1192/bjp.bp.106.032862.

GLÁUCIO SOARES          IESP-UERJ

Uma luta desigual

Ontem recebi, da distância, um e-mail do meu filho mais novo. Alertava que o lobby da bala havia invadido a Wikipédia e que eu e os poucos voluntários que defendemos a vida de todos através da preservação e aperfeiçoamento do Estatuto do Desarmamento deveríamos preparar uma resposta ao ataque. E lá fui eu, aos 81 anos, preparar para resistir em nova frente, a Wikipédia. Alertei os colegas e fui fazer a minha parte.

Do ponto de vista cientifico é fácil combater os argumentos do lobby. Raramente apresentam dados e, quando o fazem, erram muito. Abrem a propaganda na Wikipédia afirmando que os homicídios cometidos no Brasil representam 30% do total dos homicídios cometidos na América Latina e no Caribe. Esqueceram de dizer que a população do Brasil, de 202 milhões, representa 39% da população da América Latina e do Caribe que, em 2013, era de cerca de 529,539 milhões. Afirmam que os homicídios cresceram aceleradamente após o Estatuto, mas também esqueceram, convenientemente, de informar os leitores que os homicídios e, genericamente, as mortes por armas de fogo cresciam aceleradamente antes do Estatuto, 8,36% ao ano e que essa taxa foi reduzida a 0,53% ao ano depois do Estatuto. Claro que, para fazer um trabalho sério, era necessário buscar os dados em fontes confiáveis, organizá-los, analisá-los e escrever. Leva tempo. Terminei às 4 da manhã.

Investi mais alguns minutos pensando na desigualdade desse embate: de um lado, empresas que dispendem dezenas a centenas de milhões de reais para recuperar o mercado. É muito dinheiro, que compra muitas consciências. Do outro lado, voluntários muito mais capacitados, porém sem recursos além de seu próprio tempo e talento. Alheios a isso tudo, mais de duzentos milhões de brasileiros cujo risco de morrer vítima de um tiro será multiplicado com a derrogação ou esvaziamento do Estatuto.

 

Mais presos, menos homicídios?

Uma entrevista do excelente criminólogo Túlio Khan nos enche de otimismo. A taxa de homicídios no Estado de São Paulo durante o primeiro trimestre de 2008 foi de 10,8 por 100 mil habitantes. A taxa máxima “aceitável” preconizada pela Organização Mundial da Saúde é de 10. É um número arbitrário como qualquer outro, mas tem um valor simbólico num sistema decimal porque abaixo dele estão as taxas de integrais com um digito só. A redução, em relação ao ano passado, foi, mais uma vez, significativa: menos 9% no trimestre. Túlio Khan, que dirige a Coordenadoria de Análise e Planejamento (CAP) da Secretaria de Segurança Pública, atribui a queda a vários fatores, inclusive um aumento no número de presos de de 55 mil em 1994 para 158 mil atualmente. Aliás, a política carcerária paulista foi muito criticada no Brasil pela “esquerda criminológica”, muito influenciada pelas idéias de Foucault. Porém, convém lembrar que a política que aumentou a população carcerária em cem mil é a mesma que reduziu os homicídios, salvando 50 mil vidas desde 1999. Para cada dois presos a mais desde 1994, uma vida salva desde 1999.
Evidentemente, como já salientamos nesse blog, há um notável efeito do Estatuto do Desarmamento. Porém, em São Paulo, a política do desarmamento começou antes, em 1999. A polícia apreende nada menos do que dez mil armas mensalmente. A parte mais interessante, mas menos trabalhada na entrevista, foi a referente à melhoria da própria polícia, aquilo que Kahn chama de “gestão”. O número de medidas é grande demais para apresentar numa lista, mas a polícia dispõe, hoje, através do Infocrim de muitos dados e informações em áreas diferentes que tem interesse para a ação policial.

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