O mais recente Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, de 2008, apresenta dados até 2006 sobre as mortes violentas no Brasil, por municípios. É um instrumento importante, com várias contribuições e algumas omissões. A principal contribuição do Mapa é demonstrar que a queda dos homicídios, que começou em 2004, após a promulgação do Estatuto do Desarmamento, continuou.
Foi a primeira vez, desde 1979, que o número absoluto de homicídios caiu e continuou caindo. Foram salvas muitas vidas. Os homicídios, que haviam caído mais de 5% em 2004 em relação a 2003, continuaram caindo em 2005 e 2006, mas a ritmo menor (cerca de 3% ao ano). Foi uma queda esperada e anunciada. Não foram poucos os autores e os artigos prevendo que essa queda se daria em função do Estatuto do Desarmamento. Foram publicados antes e a previsão estava correta.
As mortes por armas de fogo entraram em queda livre – entre 2004 e 2006 morreram 7.200 pessoas a menos do que teriam morrido caso o nível de 2003 fosse mantido. Porem, sem o desarmamento os homicídios estavam crescendo: durante um quarto de século, desde 1979 até 2003, os homicídios cresceram no país; somente entre 1997 e 2003 o crescimento foi de 11.531, em números absolutos, decrescendo a partir de 2004. Na série anterior, houve poucos anos em que os dados indicavam uma redução em relação ao ano anterior; nunca uma redução durante dois anos. Neste caso foram três – até 2006. Seguindo a tendência anterior ao Estatuto, teríamos tido, em 2006, 43235 mortos com armas de fogo.Foram 35969 – sete mil a menos somente em 2006.
Assim, somando, em cada ano, os que morreram a menos com os que teriam morrido em função do aumento esperado pela tendência anterior, o Estatuto salvou milhares de vidas. O risco de morte violenta por homicídio (e por suicídios e por acidentes com armas de fogo) decresceu significativamente para todos os brasileiros, inclusive para os que estão lendo esse artigo – e seus familiares e amigos. Porém, perdemos uma chance histórica de reduzir ainda mais esse risco no Referendo. Não foi o “SIM” que perdeu no Referendo, foi a população brasileira.
Contrariamente ao chute que previa que as vidas salvas das armas de fogo seriam perdidas para outras formas de homicídio, numa inexistente lógica compensatória, o número total de homicídios caiu e milhares de vidas foram salvas. Ouvi de gente inteligente, mas sem conhecimento de Criminologia, que quem quer matar mata de qualquer maneira. Havia muitas dezenas mostrando que isso não é verdade mas, agora, os dados estão aí.
Bons governos salvam vidas. A maior omissão do Mapa se refere ao Estado de São Paulo, que se tornou internacionalmente conhecido como exemplo do combate inteligente à criminalidade violenta. Em 1999, a taxa paulista estava em 44 por 100 mil hbs, mais do dobro da do resto do Brasil. Porém, vários anos de políticas inteligentes e competentes de contenção do crime provocaram uma queda sistemática: 42,1; 41,8; 37,9; 35,9 e 28,6. Os dados de 2004 colocam São Paulo em situação de semelhança com o resto do país. Porém, dados recentes da Secretaria de Segurança Pública mostram que o declínio continuou forte em São Paulo. Dados muito recentes, sobre o 3º trimestre de 2007, mostram que houve 554 mortes a menos do que no mesmo trimestre de 2006. Porém, para manter a comparabilidade com os dados do Mapa, tive que recalcular os dados relativos a 2006. A taxa, pela primeira vez em muito tempo, foi inferior a 20 por 100 mil habitantes. A taxa paulista já está abaixo da mineira, uma inversão histórica, fruto da redução paulista e da explosão da taxa de homicídios durante três governos em Minas Gerais, que só começou a ser reduzida em 2003. De acordo com a versão anterior do Mapa, Minas Gerais passou do quarto estado menos violento do país ao grupo médio-alto (15º mais violento). É preciso estudar esse crescimento, assim como o do Paraná e os de MT e MS, assim como os altos níveis estaduais de Pernambuco e do Espírito Santo, entre outros, para aprender com seus erros. Os estados, constitucionalmente, são os principais responsáveis pelo combate ao crime. As PM’s e as PC’s são estaduais. Porém, a ênfase do mapa foi nos municípios. Não encontrei, no Mapa de 2008, o equivalente à Tabela 2.1 do Mapa de 2007, que comparava as taxas dos estados. Uma consulta às fontes estaduais e aos pesquisadores paulistas revela que, em 2007, os homicídios continuaram caindo. Ou seja, a transição de Alckmin para Serra não alterou a tendência benéfica à redução dos homicídios. O estudo detalhado das políticas públicas paulistas se justifica porque o grosso das políticas relevantes se referiu à melhoria das polícias, à aplicação dos bons princípios da Ciência Policial moderna. Quando Estados e municípios adotam políticas inteligentes, o resultado é excelente, como demonstra Diadema. Em 2004 era o 30º município mais violento; em 2006 tinha baixado para 190º. São Sebastião, Itapecerica e Iaras também tiveram reduções significativas e saíram do rol dos 50 municípios mais violentos do país. Apenas Caraguatatuba permanece nessa posição indesejável. Em contraste, a Cidade de São Paulo, está em 492º lugar.
Rm contraste, Pernambuco tem oito municípios entre os 50 mais violentos e o Rio de Janeiro tem sete. Precisamos estudar tanto os casos exitosos, como São Paulo, quanto os negativos, como Pernambuco, além do Paraná, onde a violência cresceu muito.
Meu olhar, sobrepondo as taxas de homicídio e a distribuição das fronteiras agrícolas, sugere uma relação entre as duas variáveis. As áreas de expansão desordenada, além dos gigantescos danos ecológicos, têm altíssimas taxas de homicídio.
O Mapa enfatiza a interiorização dos homicídios e a alta participação dos jovens entre as vítimas de homicídio. Um dado faltante, de fácil, obtenção se refere ao gênero que, no Brasil, é um dos grandes determinantes do risco de vitimização – pelo menos tão importante quanto a idade; os mesmos dados, apresentados por gênero, podem apresentar diferenças significativas porque a relação entre idade, por um lado, e criminalidade e vitimização, pelo outro, é muito diferente entre mulheres. Falta, também, incluir a raça entre os fatores determinantes da vitimização. Controlando a classe social, o gênero, a idade e o estado civil, a raça é um importante determinante da vitimização por homicídios. Os dados são mais recentes e menos confiáveis do que os relativos ao gênero e ao sexo, mas essa seria uma importante adição ao esquema explicativo porque os negros têm um risco muito mais alto de vitimização por homicídios.
E já que essa é, também, uma lista dos meus desejos para edições futuras desse utilíssimo Mapa, uma análise estatisticamente um pouco mais sofisticada, multi-nível, separando os efeitos dos estados e os dos municípios, seria uma grande contribuição para aquilatar os efeitos de diferentes políticas públicas.
No conjunto, são notícias auspiciosas, que mostram que o risco de morrer assassinado no Brasil como um todo está baixando.
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