Arquivo da categoria: idade e crimes violentos no Brasil

Mulheres que morrem e mulheres que matam

Mulheres que morrem e mulheres que matam

Por Gláucio Ary Dillon Soares

(baseado em artigo publicado no Jornal do Brasil, de 27 de março de 2009)

Cada país tem maneiras prediletas de olhar as coisas. Quando pegamos um avião e vamos de um país para outro mudam a geografia, a economia, às vezes o idioma. As maneiras de analisar as coisas também mudam. O Brasil tem uma tradição de ver fenômenos como os crimes e os homicídios a partir de conceitos como “o capitalismo”, a pobreza, a favelização, a desigualdade, o “desenvolvimento”, um velho explicador de tantas coisas, e outras variáveis “estruturais”. Em décadas passadas, 1950 a 1980 (minha estimativa), tudo se explicava pelo desenvolvimento ou pela sua negação, o subdesenvolvimento.

Não obstante, talvez o principal determinante da vitimização por homicídios seja o gênero: de 1980 a 2005, foram assassinados 760.885 homens e 70.907 mulheres no Brasil, o que equivale a uma mulher para cada onze homens. Essa relação não é uma constante, mas é estável, variando pouco no tempo e no espaço brasileiros. De 1980 a 1989 foi de 10,1; de 1990 a 1999 foi de 10,5 e de 2000 a 2005 foi de 11,6. Mudou pouco; não obstante se nota tendência a aumentar. Em outro trabalho, demonstramos que a razão de vitimização entre homens e mulheres aumenta quando há “explosões” de homicídios (como, recentemente, em Alagoas e na Bahia) e diminui quando há redução dos homicídios (como em São Paulo). Quando há um aumento rápido no número de homicídios, o aumento tende a vitimar mais homens e jovens; quando, através de políticas inteligentes, há uma forte redução, ela beneficia mais os que tinham taxas mais altas. Os homicídios não são todos iguais – há tipos e subtipos. No contexto brasileiro, crescimento rápido quase sempre significa tráfico, entrada de drogas, de armas de fogo, e políticas públicas inadequadas. Os homens são as maiores vitimas dessas explosões. Por sua vez, as políticas inteligentes focalizam os tipos com maior número de mortes, beneficiando desproporcionalmente os homens.

A razão entre as taxas dos gêneros não varia muito no espaço brasileiro, a despeito de amplas diferenças econômicas e sociais, mas difere muito entre os países. Em 1990, no bloco dos países com economia de mercado desenvolvida, a taxa masculina era, aproximadamente, um terço maior do que a feminina. Em regiões com taxas muito altas de homicídio, a África Sub-Saara e a América Latina, as taxas masculinas eram seis e mais de sete vezes mais altas do que as das mulheres, respectivamente. Comparativamente, no Brasil as diferenças são muito maiores do que na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e alguns outros países.

A influência do gênero sobre a vitimização por homicídios foi ressaltada por feministas, preocupadas com a extensa violência de homens contra mulheres. Um subproduto dessa ação foi o resgate da informação de que os homens são muito mais vítimas (e algozes também) da vitimização letal do que as mulheres.

Ela não é, apenas, uma curiosidade. As mulheres participam de homicídios em três capacidades: como autoras, como vítimas e como motivo. A pesquisa sobre cada uma dessas capacidades exige dados diferentes e produz um conjunto de conclusões. No Brasil, infelizmente, os únicos dados utilizáveis são sobre vitimização. Algumas pesquisas que incluíram o gênero nos forçaram a olhar cuidadosamente para o tipo de homicídio. Os homicídios não são todos iguais e o gênero da vítima diferencia entre muitos deles. Em quase todas as pesquisas, os homicídios entre íntimos são mais freqüentes entre as mulheres. Em relação aos demais tipos, as mulheres estão sobre-representadas tanto como vítimas quanto como autoras.

Por que as mulheres matam menos do que os homens?

Em 1990, Gottfredson e Hirschi produziram uma “teoria geral do crime” que gira ao redor da falta de autocontrole. Os autores afirmam que as pessoas sem autocontrole são impulsivas, insensíveis, respondem fisicamente aos eventos, não pesam os riscos e as conseqüências, verbalizam pouco e mal e estão super-representadas entre os criminosos. Os autores acrescentam que essas características tendem a permanecer por toda a vida. É uma de várias teorias que tentam explicar porque sempre as taxas de criminalidade são mais altas entre homens do que entre mulheres. Os homens teriam menos auto-controle. É uma relação estabelecida internacionalmente, mas cujos valores variam muito entre paises. Obviamente, a teoria de Gottfredson e Hirschi explica parte das diferenças entre os gêneros nos mesmos paises, mas não explica as diferenças entre os paises de pessoas do mesmo gênero. Por sua vez, as teorias que enfatizam as diferenças econômicas e sociais entre paises não explicam as diferenças dentro de cada país, inclusive entre os gêneros. Por que os homens pobres matam e morrem mais do que as mulheres igualmente pobres, no mesmo país? Há muitas outras teorias que competem com a de Gottfredson e Hirschi.

Há mais: a despeito das diferenças entre as taxas (homens muito mais altas), elas covariam. Plotando a taxa masculina de cada ano pela feminina, de 1980 a 2005, em escalas diferentes, vemos que a relação é estreita:

Mortes de Homens por Mortes de Mulheres, Brasil, 19080 a 2005
taxas-masculinas-pelas-femininas

Essa relação pode ser visualizada no comportamento das duas taxas no tempo: quando uma baixa, a outra baixa também, embora em nível diferente:
Variações nos Homicídios de Homens e de Mulheres, Brasil, 1980 a 2005
homicidios-dolosos-por-sexo
A aplicação ou não de uma teoria à explicação das diferenças entre homens e mulheres não é uma questão de princípio nem de ideologia, mas empírica. Poucos criminólogos sérios se colocam a disjuntiva radical entre se aplica/não se aplica, averiguando a extensão da aplicabilidade e o seu contexto.
A inclusão do gênero na equação explicativa dos homicídios contribuiu para aumentar substancialmente a variância explicada. Contribuiu, também, para estabelecer uma ponte saudável entre variáveis de tipo “macro”, estruturais, e variáveis de tipo “micro”, individuais, como gênero, idade, raça, estado civil, religião e variáveis interativas também. Afinal, o homicídio é uma interação entre pessoas, que se conheciam ou não.

Violência juvenil: exemplos e falta de dados


Paul D. Harms e Howard N. Snyder analisaram os dados relativos a homicídios de crianças e adolescentes de menos de 18 anos nos Estados Unidos.

Houve uma grande queda na vitimização que atingiu o seu ponto mais alto em 1993, com 2,880 mortes. Medidas locais de tipo preventivo, sobretudo policial, em vários lugares e o excelente desempenho dos indicadores econômicos durante os anos Clinton reduziram esse número para 1,610 mortos em 2000. Foi o número mais baixo em 15 anos. A taxa de 2.3 por 100,000 (crianças e adolescentes) foi a mais baixa em vinte anos. Em 1993, uma de cada oito pessoas assassinadas nos Estados Unidos tinha menos de 18 anos.

A delinqüência e da violência juvenis na faixa de 12 a 17 explodiu entre 1980 e 1993. O aumento na taxa foi de 163% entre negros e de 49% entre brancos. No período seguinte (1993 a 2000), a combinação entre boa economia e melhor polícia reduziu em 64% os homicídios entre negros e em 51% entre brancos.

O acesso a armas de fogo tem muito a ver com isso. Em 1980, 41% das mortes de pessoas com menos de 18 anos foram com armas de fogo; o acesso fácil às armas de fogo aumentou a percentagem para 61% em 1993, e o controle destas reduziu a percentagem a 47% em 2000.

As diferenças entre os gêneros também são muito fortes nos Estados Unidos. A taxa feminina de vitimização não mudou entre 1980 e 1998, para cair a um dos níveis mais baixos em 2000. Em contraste, a taxa masculina aumentou 117% entre 1984 e 1993. Isso demonstra que, nos Estados Unidos, a explosão das drogas e a conseqüente desorganização social afetou muito mais os jovens adolescentes do que as jovens adolescentes. O efeito não foi o mesmo entre homens e mulheres.

Como é no Brasil? Não sabemos! Não há informação e estatísticas confiáveis sobre os autores de crimes. Temos que depender do que possamos aprender com as pesquisas feitas em outros países (o que acarreta o perigo de generalizar indevidamente para condições diferentes) até que aprendamos a
• elevar a taxa de resolução de crimes;
• disponibilizar a informação para todos;
• treinar cientistas sociais que saibam pesquisar e pesquisem o país e não máquinas de gravar e repetir o pensamento alheio;
• gerar e aplicar o conhecimento adquirido.


A informação mencionada pode ser acessada em
http://www.ncjrs.gov/pdffiles1/ojjdp/194609.pdf

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Uma das generalizações mais testadas e consistentes em Criminologia relaciona idade e crimes violentos. Os autores atribuem essa relação, encontrada em diferentes décadas e, até mesmo, séculos, e em muitos países, ao auto-controle, que os jovens não teriam.
Essas posições estão expostas emGottfredson, Michael and Travis Hirschi. 1990. A General Theory of Crime. Stanford University Press.
Outros autores tentaram testar essa explicação. Ver Grasmick, Harold, G., Charles R. Tittle, Robert J. Bursik, and Bruce J. Arneklev. 1993. “Testing the Core Empirical Implications of Gottfredson and Hirschi’s General Theory of Crime.” Journal of Research in Crime and Delinquency 30:5-29 e a resposta de Hirschi e Gottfredson, 1993. “Commentary: Testing The General Theory of Crime.” Journal of Research in Crime and Delinquency 30:47-54.
Essa relação está presente no Brasil em todos os testes a que a submetemos, em diferentes estados e diferentes anos. É estrutural nas duas acepções: relaciona intimamente as variáveis e sobrevive sem problemas a quaisquer variações conjunturais.
O gráfico se refere à vitimização por homicídios. Evidentemente, ano trás ano, os atores (mas não necessariamente os autores) são outros, todos eles. Não obstante, entra governo, sai governo; sobe o crescimento econômico, desce o crescimento econômico; sobe inflação, cai inflação e a relação reaparece todos os anos. Nos cinco anos analisados, 1985 até 1989, duas décadas atrás, o mesmo crescimento acelerado na segunda adolescência é observado; o pico é atingido nas mesmas idades, e o descenso mais gradual também se observa em cada um dos cinco anos. O que chama a atenção é a consistência, a quase sobreposição perfeita das cinco curvas.

  • Qualquer programa de segurança pública, em qualquer nível, tem que levar essa relação em consideração. São jovens os que morrem e são jovens os que matam.
  • O decréscimo, ainda na casa dos vinte, pode ser acelerado. Sobretudo, muitos nessa casa podem ser ajudados a não cometer crimes.
  • Porém, o mais importante é impedir que cheguem a cometê-los. A ação preventiva mais inteligente é a que mais interferir com o crescimento acelerado durante a adolescência. São muitas medidas que podem funcionar e podem/devem ser testadas, mas certamente cada uma delas deve ser avaliada.
  • Infelizmente, nossos candidatos parecem ter respostas simples e corretíssimas para tudo. Oxalá fosse assim. Se fosse tão simples e fácil, não estaríamos onde estamos.

Uma revisão da bibliografia relevante que ainda é útil se encontra em

  • Katz, Rebecca S. 1999. “Building the Foundation for a Side-by-Side Explanatory Model: A General Theory of Crime, the Age-Graded Life-Course Theory, and Attachment Theory.” Western Criminology Review 1(2). [Online]. Available: http://wcr.sonoma.edu/v1n2/katz.html.

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Uma das generalizações mais testadas e consistentes em Criminologia relaciona idade e crimes violentos. Os autores atribuem essa relação, encontrada em diferentes décadas e, até mesmo, séculos, e em muitos países, ao auto-controle, que os jovens não teriam.
Essas posições estão expostas emGottfredson, Michael and Travis Hirschi. 1990. A General Theory of Crime. Stanford University Press.
Outros autores tentaram testar essa explicação. Ver Grasmick, Harold, G., Charles R. Tittle, Robert J. Bursik, and Bruce J. Arneklev. 1993. “Testing the Core Empirical Implications of Gottfredson and Hirschi’s General Theory of Crime.” Journal of Research in Crime and Delinquency 30:5-29 e a resposta de Hirschi e Gottfredson, 1993. “Commentary: Testing The General Theory of Crime.” Journal of Research in Crime and Delinquency 30:47-54.
Essa relação está presente no Brasil em todos os testes a que a submetemos, em diferentes estados e diferentes anos. É estrutural nas duas acepções: relaciona intimamente as variáveis e sobrevive sem problemas a quaisquer variações conjunturais.
O gráfico se refere à vitimização por homicídios. Evidentemente, ano trás ano, os atores (mas não necessariamente os autores) são outros, todos eles. Não obstante, entra governo, sai governo; sobe o crescimento econômico, desce o crescimento econômico; sobe inflação, cai inflação e a relação reaparece todos os anos. Nos cinco anos analisados, 1985 até 1989, duas décadas atrás, o mesmo crescimento acelerado na segunda adolescência é observado; o pico é atingido nas mesmas idades, e o descenso mais gradual também se observa em cada um dos cinco anos. O que chama a atenção é a consistência, a quase sobreposição perfeita das cinco curvas.

  • Qualquer programa de segurança pública, em qualquer nível, tem que levar essa relação em consideração. São jovens os que morrem e são jovens os que matam.
  • O decréscimo, ainda na casa dos vinte, pode ser acelerado. Sobretudo, muitos nessa casa podem ser ajudados a não cometer crimes.
  • Porém, o mais importante é impedir que cheguem a cometê-los. A ação preventiva mais inteligente é a que mais interferir com o crescimento acelerado durante a adolescência. São muitas medidas que podem funcionar e podem/devem ser testadas, mas certamente cada uma delas deve ser avaliada.
  • Infelizmente, nossos candidatos parecem ter respostas simples e corretíssimas para tudo. Oxalá fosse assim. Se fosse tão simples e fácil, não estaríamos onde estamos.

Uma revisão da bibliografia relevante que ainda é útil se encontra em

  • Katz, Rebecca S. 1999. “Building the Foundation for a Side-by-Side Explanatory Model: A General Theory of Crime, the Age-Graded Life-Course Theory, and Attachment Theory.” Western Criminology Review 1(2). [Online]. Available: http://wcr.sonoma.edu/v1n2/katz.html.

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Uma das generalizações mais testadas e consistentes em Criminologia relaciona idade e crimes violentos. Os autores atribuem essa relação, encontrada em diferentes décadas e, até mesmo, séculos, e em muitos países, ao auto-controle, que os jovens não teriam.
Essas posições estão expostas emGottfredson, Michael and Travis Hirschi. 1990. A General Theory of Crime. Stanford University Press.
Outros autores tentaram testar essa explicação. Ver Grasmick, Harold, G., Charles R. Tittle, Robert J. Bursik, and Bruce J. Arneklev. 1993. “Testing the Core Empirical Implications of Gottfredson and Hirschi’s General Theory of Crime.” Journal of Research in Crime and Delinquency 30:5-29 e a resposta de Hirschi e Gottfredson, 1993. “Commentary: Testing The General Theory of Crime.” Journal of Research in Crime and Delinquency 30:47-54.
Essa relação está presente no Brasil em todos os testes a que a submetemos, em diferentes estados e diferentes anos. É estrutural nas duas acepções: relaciona intimamente as variáveis e sobrevive sem problemas a quaisquer variações conjunturais.
O gráfico se refere à vitimização por homicídios. Evidentemente, ano trás ano, os atores (mas não necessariamente os autores) são outros, todos eles. Não obstante, entra governo, sai governo; sobe o crescimento econômico, desce o crescimento econômico; sobe inflação, cai inflação e a relação reaparece todos os anos. Nos cinco anos analisados, 1985 até 1989, duas décadas atrás, o mesmo crescimento acelerado na segunda adolescência é observado; o pico é atingido nas mesmas idades, e o descenso mais gradual também se observa em cada um dos cinco anos. O que chama a atenção é a consistência, a quase sobreposição perfeita das cinco curvas.

  • Qualquer programa de segurança pública, em qualquer nível, tem que levar essa relação em consideração. São jovens os que morrem e são jovens os que matam.
  • O decréscimo, ainda na casa dos vinte, pode ser acelerado. Sobretudo, muitos nessa casa podem ser ajudados a não cometer crimes.
  • Porém, o mais importante é impedir que cheguem a cometê-los. A ação preventiva mais inteligente é a que mais interferir com o crescimento acelerado durante a adolescência. São muitas medidas que podem funcionar e podem/devem ser testadas, mas certamente cada uma delas deve ser avaliada.
  • Infelizmente, nossos candidatos parecem ter respostas simples e corretíssimas para tudo. Oxalá fosse assim. Se fosse tão simples e fácil, não estaríamos onde estamos.

Uma revisão da bibliografia relevante que ainda é útil se encontra em

  • Katz, Rebecca S. 1999. “Building the Foundation for a Side-by-Side Explanatory Model: A General Theory of Crime, the Age-Graded Life-Course Theory, and Attachment Theory.” Western Criminology Review 1(2). [Online]. Available: http://wcr.sonoma.edu/v1n2/katz.html.