Arquivo da categoria: serial killers e incompetência policial

Anjos da Morte



Publicado no Correio Braziliense

ANJOS DA MORTE

Há algum tempo escrevi um artigo neste jornal sobre um médico inglês, Harold Shipman, que era uma máquina de matar. Ele foi condenado no ano 2000 pela morte de 15 mulheres idosas, mas há evidências de que matou centenas de pessoas. Preso, se suicidou.

Recentemente, um anestesista espanhol, Juan Maeso, foi acusado de matar vários pacientes através de injeções infectadas com Hepatite C. Havia acusações de que era drogado (heroína), o que é consistente com a interpretação de que se importava pouco com o que acontecia aos pacientes, nem cumpria com requisitos mínimos de assepsia. É difícil, em alguns casos, separar os crimes intencional dos derivados da incompetência ou da indiferença.

Há, também, enfermeiras assassinas. Lucy Isabella Quirina de Berk, uma enfermeira holandesa, foi condenada por matar intencionalmente três bebês e uma idosa com injeções. De Berk foi acusada de outros assassinatos, de falsificar diplomas e prestar declarações falsas. A polícia holandesa, desnorteada, chegou a pedir ao FBI que elaborasse um perfil dela. Algumas mentiras de De Berk eram grotescas e todos se perguntam como conseguiu levar adiante sua carreira criminal. De Berk foi acusada de matar 14 pacientes graves – todos eram bebês ou idosos, alguns muito idosos. Nove de suas vítimas tinham entre 64 e 91 anos de idade. As mortes foram em quatro hospitais diferentes, três em Haia e um em Scheveningen. Matou durante quatro anos e meio. A promotora do caso, Ingrid Degeling, afirmou sua convicção de que Lucy era uma mentirosa compulsiva, narcisista e obcecada com a morte.

Beverly Allitt, outra enfermeira assassina, recebeu uma sentença de prisão perpétua pela morte de quatro crianças e pela tentativa de morte de outras nove.

Há muitos outros casos de profissionais da saúde que eram assassinos e assassinas múltiplas. Freqüentemente as vítimas eram crianças, idosos ou outras pessoas incapazes de se defender.

Um dos casos mais impressionante de mortes causadas por um profissional da saúde que infectou, intencionalmente ou não, seus pacientes foi o de um dentista, Dr. David J. Acer. Acer tinha alguns traços de psicopatas: na aparência, era extremamente delicado, dando injeções locais adicionais de novocaína para que seus pacientes não sofressem. Porem, Acer tinha outra face, oculta, a de um avaro irresponsável que reusava o equipamento para gastar menos, que era pouco cuidadoso com a limpeza e a assepsia. Calculista frio, Acer tinha HIV e transmitiu a doença para, pelo menos, cinco de seus pacientes . Não revelou a qualquer paciente que era HIV positivo. Isso aconteceu na virada da década de oitenta para a de noventa, quando HIV quase certamente levava à AIDS que quase certamente levava à morte. Acer pensava vender seu consultório apenas quando estivesse muito fraco para clinicar, por isso ocultou sua condição de aidético. Talvez os pacientes não tenham sido as únicas vítimas de Acer: ele admitiu ao seu próprio médico ter tido mais de 150 parceiros sexuais nos dez anos anteriores. Quantos infectou? Ninguém sabe.

Eu assisti o depoimento de uma de suas vítimas, Kimberly Bergalis, na época com 23 anos, que faleceu pouco depois. Era uma acusação aberta e séria à profissão e suas instituições, que estariam mais preocupadas com proteger os seus membros do que os pacientes. Afinal, quem deve proteger os pacientes inocentes contra um criminoso vestido de branco? Ela participou enquanto pode de campanhas para proteção dos pacientes. Já no final, escreveu: “Se não promulgarmos leis que protegem [os pacientes], então minha morte foi em vão. Eu estou morrendo, caras. Adeus.”

Naquele tempo, a prisão ou, mesmo, a condenação à morte dos que transmitiam HIV, irresponsavelmente ou intencionalmente, não tinham poder de dissuasão: os condenados iriam morrer de AIDS antes da execução, que demora muitos anos a ser aplicada.

Os anjos da morte podem agir durante muitos anos, particularmente se mudarem de hospitais. Com freqüência, a primeira suspeita é levantada pela estatística – por exemplo, pelo crescimento do número de mortes num hospital ou numa de suas dependências. Em muitos casos, é difícil separar as mortes intencionais das mortes por desleixo ou incompetência. Não temos como dizer onde termina uma e começa a outra.

As vítimas preferenciais são pacientes muito vulneráveis: bebês, crianças pequenas, idosos, pessoas com doenças avançadas. Onde as instituições funcionam, a busca por suspeitos começa logo após a constatação, estatística ou não, de que há pessoas em excesso morrendo ou ficando ainda mais doentes numa unidade, numa ala, etc. Onde as instituições não funcionam, não há nem estatísticas confiáveis. Assassinos vestidos de branco ficam soltos mais tempo, matando sem serem identificados.

E no Brasil? Perto dos dados brasileiros os assassinos recordistas mundiais parecem pigmeus e amadores. Vejo, incrédulo, que morreram 262 bebês somente em seis meses de 2008 na Santa Casa de Belém e que a taxa de neomortalidade na UTI neonatal de junho foi de 56%. Ou há um time de anjos da morte na Santa Casa ou a incompetência é de tal ordem que provocou mortes em escala superior à dos serial killers mais prolíficos da história.

Anjos da Morte



Publicado no Correio Braziliense

ANJOS DA MORTE

Há algum tempo escrevi um artigo neste jornal sobre um médico inglês, Harold Shipman, que era uma máquina de matar. Ele foi condenado no ano 2000 pela morte de 15 mulheres idosas, mas há evidências de que matou centenas de pessoas. Preso, se suicidou.

Recentemente, um anestesista espanhol, Juan Maeso, foi acusado de matar vários pacientes através de injeções infectadas com Hepatite C. Havia acusações de que era drogado (heroína), o que é consistente com a interpretação de que se importava pouco com o que acontecia aos pacientes, nem cumpria com requisitos mínimos de assepsia. É difícil, em alguns casos, separar os crimes intencional dos derivados da incompetência ou da indiferença.

Há, também, enfermeiras assassinas. Lucy Isabella Quirina de Berk, uma enfermeira holandesa, foi condenada por matar intencionalmente três bebês e uma idosa com injeções. De Berk foi acusada de outros assassinatos, de falsificar diplomas e prestar declarações falsas. A polícia holandesa, desnorteada, chegou a pedir ao FBI que elaborasse um perfil dela. Algumas mentiras de De Berk eram grotescas e todos se perguntam como conseguiu levar adiante sua carreira criminal. De Berk foi acusada de matar 14 pacientes graves – todos eram bebês ou idosos, alguns muito idosos. Nove de suas vítimas tinham entre 64 e 91 anos de idade. As mortes foram em quatro hospitais diferentes, três em Haia e um em Scheveningen. Matou durante quatro anos e meio. A promotora do caso, Ingrid Degeling, afirmou sua convicção de que Lucy era uma mentirosa compulsiva, narcisista e obcecada com a morte.

Beverly Allitt, outra enfermeira assassina, recebeu uma sentença de prisão perpétua pela morte de quatro crianças e pela tentativa de morte de outras nove.

Há muitos outros casos de profissionais da saúde que eram assassinos e assassinas múltiplas. Freqüentemente as vítimas eram crianças, idosos ou outras pessoas incapazes de se defender.

Um dos casos mais impressionante de mortes causadas por um profissional da saúde que infectou, intencionalmente ou não, seus pacientes foi o de um dentista, Dr. David J. Acer. Acer tinha alguns traços de psicopatas: na aparência, era extremamente delicado, dando injeções locais adicionais de novocaína para que seus pacientes não sofressem. Porem, Acer tinha outra face, oculta, a de um avaro irresponsável que reusava o equipamento para gastar menos, que era pouco cuidadoso com a limpeza e a assepsia. Calculista frio, Acer tinha HIV e transmitiu a doença para, pelo menos, cinco de seus pacientes . Não revelou a qualquer paciente que era HIV positivo. Isso aconteceu na virada da década de oitenta para a de noventa, quando HIV quase certamente levava à AIDS que quase certamente levava à morte. Acer pensava vender seu consultório apenas quando estivesse muito fraco para clinicar, por isso ocultou sua condição de aidético. Talvez os pacientes não tenham sido as únicas vítimas de Acer: ele admitiu ao seu próprio médico ter tido mais de 150 parceiros sexuais nos dez anos anteriores. Quantos infectou? Ninguém sabe.

Eu assisti o depoimento de uma de suas vítimas, Kimberly Bergalis, na época com 23 anos, que faleceu pouco depois. Era uma acusação aberta e séria à profissão e suas instituições, que estariam mais preocupadas com proteger os seus membros do que os pacientes. Afinal, quem deve proteger os pacientes inocentes contra um criminoso vestido de branco? Ela participou enquanto pode de campanhas para proteção dos pacientes. Já no final, escreveu: “Se não promulgarmos leis que protegem [os pacientes], então minha morte foi em vão. Eu estou morrendo, caras. Adeus.”

Naquele tempo, a prisão ou, mesmo, a condenação à morte dos que transmitiam HIV, irresponsavelmente ou intencionalmente, não tinham poder de dissuasão: os condenados iriam morrer de AIDS antes da execução, que demora muitos anos a ser aplicada.

Os anjos da morte podem agir durante muitos anos, particularmente se mudarem de hospitais. Com freqüência, a primeira suspeita é levantada pela estatística – por exemplo, pelo crescimento do número de mortes num hospital ou numa de suas dependências. Em muitos casos, é difícil separar as mortes intencionais das mortes por desleixo ou incompetência. Não temos como dizer onde termina uma e começa a outra.

As vítimas preferenciais são pacientes muito vulneráveis: bebês, crianças pequenas, idosos, pessoas com doenças avançadas. Onde as instituições funcionam, a busca por suspeitos começa logo após a constatação, estatística ou não, de que há pessoas em excesso morrendo ou ficando ainda mais doentes numa unidade, numa ala, etc. Onde as instituições não funcionam, não há nem estatísticas confiáveis. Assassinos vestidos de branco ficam soltos mais tempo, matando sem serem identificados.

E no Brasil? Perto dos dados brasileiros os assassinos recordistas mundiais parecem pigmeus e amadores. Vejo, incrédulo, que morreram 262 bebês somente em seis meses de 2008 na Santa Casa de Belém e que a taxa de neomortalidade na UTI neonatal de junho foi de 56%. Ou há um time de anjos da morte na Santa Casa ou a incompetência é de tal ordem que provocou mortes em escala superior à dos serial killers mais prolíficos da história.

ANJOS DA MORTE

Publicado no Correio Braziliense

ANJOS DA MORTE

Há algum tempo escrevi um artigo neste jornal sobre um médico inglês, Harold Shipman, que era uma máquina de matar. Ele foi condenado no ano 2000 pela morte de 15 mulheres idosas, mas há evidências de que matou centenas de pessoas. Preso, se suicidou.

Recentemente, um anestesista espanhol, Juan Maeso, foi acusado de matar vários pacientes através de injeções infectadas com Hepatite C. Havia acusações de que era drogado (heroína), o que é consistente com a interpretação de que se importava pouco com o que acontecia aos pacientes, nem cumpria com requisitos mínimos de assepsia. É difícil, em alguns casos, separar os crimes intencional dos derivados da incompetência ou da indiferença.

Há, também, enfermeiras assassinas. Lucy Isabella Quirina de Berk, uma enfermeira holandesa, foi condenada por matar intencionalmente três bebês e uma idosa com injeções.  De Berk foi acusada de outros assassinatos, de falsificar diplomas e prestar declarações falsas. A polícia holandesa, desnorteada, chegou a pedir ao FBI que elaborasse um perfil dela. Algumas mentiras de De Berk eram grotescas e todos se perguntam como conseguiu levar adiante sua carreira criminal. De Berk foi acusada de matar 14 pacientes graves – todos eram bebês ou idosos, alguns muito idosos. Nove de suas vítimas tinham entre 64 e 91 anos de idade. As mortes foram em quatro hospitais diferentes, três em Haia e um em Scheveningen. Matou durante quatro anos e meio. A promotora do caso, Ingrid Degeling, afirmou sua convicção de que Lucy era uma mentirosa compulsiva, narcisista e obcecada com a morte.

Beverly Allitt, outra enfermeira assassina, recebeu uma sentença de prisão perpétua pela morte de quatro crianças e pela tentativa de morte de outras nove.

Há muitos outros casos de profissionais da saúde que eram assassinos e assassinas múltiplas. Freqüentemente as vítimas eram crianças, idosos ou outras pessoas incapazes de se defender.

Um dos casos mais impressionante de mortes causadas por um profissional da saúde que infectou, intencionalmente ou não, seus pacientes foi o de um dentista, Dr. David J. Acer. Acer tinha alguns traços de psicopatas: na aparência, era extremamente delicado, dando injeções locais adicionais de novocaína para que seus pacientes não sofressem. Porem, Acer tinha outra face, oculta, a de um avaro irresponsável que reusava o equipamento para gastar menos, que era pouco cuidadoso com a limpeza e a assepsia. Calculista frio, Acer tinha HIV e transmitiu a doença para, pelo menos, cinco de seus pacientes . Não revelou a qualquer paciente que era HIV positivo. Isso aconteceu na virada da década de oitenta para a de noventa, quando HIV quase certamente levava à AIDS que quase certamente levava à morte. Acer pensava vender seu consultório apenas quando estivesse muito fraco para clinicar, por isso ocultou sua condição de aidético. Talvez os pacientes não tenham sido as únicas vítimas de Acer: ele admitiu ao seu próprio médico ter tido mais de 150 parceiros sexuais nos dez anos anteriores. Quantos infectou? Ninguém sabe.

Eu assisti o depoimento de uma de suas vítimas, Kimberly Bergalis, na época com 23 anos, que faleceu pouco depois. Era uma acusação aberta e séria à profissão e suas instituições, que estariam mais preocupadas com proteger os seus membros do que os pacientes. Afinal, quem deve proteger os pacientes inocentes contra um criminoso vestido de branco? Ela participou enquanto pode de campanhas para proteção dos pacientes. Já no final, escreveu: “Se não promulgarmos leis que protegem [os pacientes], então minha morte foi em vão. Eu estou morrendo, caras. Adeus.”

Naquele tempo, a prisão ou, mesmo, a condenação à morte dos que transmitiam HIV, irresponsavelmente ou intencionalmente, não tinham poder de dissuasão: os condenados iriam morrer de AIDS antes da execução, que demora muitos anos a ser aplicada.

Os anjos da morte podem agir durante muitos anos, particularmente se mudarem de hospitais. Com freqüência, a primeira suspeita é levantada pela estatística – por exemplo, pelo crescimento do número de mortes num hospital ou numa de suas dependências. Em muitos casos, é difícil separar as mortes intencionais das mortes por desleixo ou incompetência. Não temos como dizer onde termina uma e começa a outra.

As vítimas preferenciais são pacientes muito vulneráveis: bebês, crianças pequenas, idosos, pessoas com doenças avançadas. Onde as instituições funcionam, a busca por suspeitos começa logo após a constatação, estatística ou não, de que há pessoas em excesso morrendo ou ficando ainda mais doentes numa unidade, numa ala, etc. Onde as instituições não funcionam, não há nem estatísticas confiáveis. Assassinos vestidos de branco ficam soltos mais tempo, matando sem serem identificados.

E no Brasil? Perto dos dados brasileiros os assassinos recordistas mundiais parecem pigmeus e amadores. Vejo, incrédulo, que morreram 262 bebês somente em seis meses de 2008 na Santa Casa de Belém e que a taxa de neomortalidade na UTI neonatal de junho foi de 56%. Ou há um time de anjos da morte na Santa Casa ou a incompetência é de tal ordem que provocou mortes em escala superior à dos serial killers mais prolíficos da história.

Converse MAIS com seus filhos e filhas (e netos e netas também)


Crianças, adolescentes e jovens adultos se beneficiam de comunicação constante com pessoas em que confiam (e que são sensatas!). Uma certa intimidade é necessária para que essas pessoas jovens confiem em seus pais (e outros parentes) em situações que considerem problemáticas. Essa interação e a intimidade que, freqüentemente, advém dela, também ajudarão os pais a perceber quando algo não vai bem.
Crianças e adolescentes com boas relações com pais e outros familiares, psicologicamente próximas, tem risco menor de fumar, beber e consumir outras drogas, ilegais.
Não são só os meninos e rapazes que estão em situação de alto risco: as meninas também. Nos Estados Unidos, na faixa de 12 a 17 anos, consomem tanta bebida alcoólica quanto os rapazes, fumam mais do que eles e usam mais remédios de tarja preta – ilegalmente, claro.
O consumo de álcool não deixa de ser perigoso porque é legal. Quem bebe tem risco bem mais alto de ser vítima de crimes violentos, acidentes (no trânsito, afogamentos etc.), suicídio e homicídio.
As metanfetaminas tomaram o mercado americano e já entraram pesado no Brasil.
Falem com seus filhos, filhas, netos e netas!

Profissão: médico e serial killer

Publicado no CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quinta-feira, 10 de janeiro de 2008 • 21

Um dos maiores serial killers da história era um médico, o inglês Harold Shipman – médico de Manchester. Oficialmente, Shipman matou 215 de seus próprios pacientes. Há suspeitas de que foram muitos mais. A primeira parece ter sido Mrs. Eva Lyons, que foi morta por Shipman logo depois dele começar a prática da medicina em West Yorkshire, no Reino Unido. Talvez a última tenha sido Kathleen Grundy, uma viúva de 81 anos, que era uma pessoa ativa e que gozava de boa saúde antes de ser assassinada em 24 de Junho de 1998. Shipman matou impunemente durante 23 anos!

Inicialmente, Shipman foi condenado em janeiro de 2000 por 15 homicídios e por falsificar um testamento; em janeiro de 2004, quatro anos depois, se suicidou.

A história pessoa e familiar de Shipman não é excepcional. Nasceu em 1946 e perdeu a mãe, Vera, quando ele tinha 17. Vera morreu de câncer. Alguns ligam a morte da mãe à obsessão posterior, mas não é pequeno o número de pessoas que perdem a mãe aos 17 ou antes. Dois anos depois, como estudante de Medicina, Shipman engravidou sua namorada, filha de um fazendeiro, casando com ela. Ele tinha 19 anos. Até aí, nada de verdadeiramente excepcional. Alguns anos mais tarde se formou e começou a exercer a profissão.

Os problemas começaram mais tarde. Shipman começou a se drogar e, como médico, tinha fácil acesso a anestésicos injetáveis. Foi descoberto e renunciou ao emprego, mas não à carreira. Mais tarde recebeu uma pena leve de 600 libras pelo uso ilegal de drogas e por ter falsificado receitas. Sua licença não foi cassada. Muitos especulam sobre o que teria e o que não teria acontecido se a lei Inglesa fosse mais dura com usuários e falsificadores. Alguns argumentam que muitas vítimas estariam vivas; outros dizem que não. É impossível saber. Ele não foi impedido de exercer a profissão, recebendo, apenas, uma carta de advertência. Fez um tratamento psiquiátrico e voltou a praticar medicina. Mais uma vez, pessoas se perguntam se ele tivesse sido impedido de praticar a medicina se as vítimas, quase todas suas pacientes, teriam sido poupadas. É difícil responder. O que sabemos é que ele voltou a exercer a medicina em Durham e que matou um grande número de suas pacientes.

Em 1979, Shipman começou sua prática como clínico geral em in Hyde, Greater Manchester. Continuava casado com Primrose com quem já tinha quatro filhos. Foi somente vários anos mais tarde, em 1985, que a polícia investigou a morte de uma das suas pacientes, mas não houve qualquer medida contra ele. Em 1992, Shipman fundou sua clínica particular. Em 1998, um colega expressou preocupações a um policial a respeito das mortes de pacientes de Shipman e a polícia começa, vagarosamente, uma investigação. Porém, até que fosse preso e impedido de matar mais, outras três pessoas morreriam. É possível que a morte de uma ex-prefeita da cidade, paciente de Shipman, tenha contribuído para acelerar a pesquisa policial. Mas talvez tivesse passado em branco, não fosse a ganância desmedida de Shipman que alterou o testamento da ex-prefeita, de maneira a ser o único herdeiro. A filha dela, uma advogada, pediu que o corpo da mãe fosse exumado em 1º de agosto de 1998. Os resultados são claros e Shipman foi acusado de assassinato e de falsificação de documentos (teria $ 350 mil libras a receber). Finalmente, foi preso. Há quem ache que se a vítima não fosse uma ex-prefeita e sua filha uma advogada que Shipman talvez estivesse ainda vivo e matando.

A descoberta de veneno em um corpo gerou uma busca ampliada. Em três dias consecutivos, três corpos foram exumados, inclusive de Bianka Pomfret, de apenas 49 anos, que morrera em Dezembro de 1997. A partir daí, vários corpos das vitimas de Shipman, quase todas ex-pacientes, foram exumados e revelaram sinais de envenenamento. A mulher de Shipman, Primrose, prestou depoimento, mas disse não saber de nada. Os relatórios das primeiras investigações sobre Shipman foram publicados, ficando clara a incompetência e a falta de seriedade de dois policiais que não levantaram suspeitas mesmo diante de evidências claras.

A descoberta de que o maior serial killer da historia da Grã-Bretanha era um médico com um histórico complicado provocou uma onda de críticas ao General Medical Council, cuja missão era defender os pacientes, mas cujo corporativismo o levava a proteger os médicos, inclusive os criminosos – e não os pacientes.

Shipman tinha um claro modus operandi. Muitas de suas vítimas eram mulheres idosas, escolhidas porque viviam sozinhas, o que favorecia que ele aplicasse injeções letais de diamorfina, sua maneira predileta de matá-las. Esse modus operandi parece ter contribuído para que matasse por muito tempo.

É clara a contribuição das autoridades policiais e das organizações médicas para a tragédia, gerando uma chuva de protestos e de processos. O Criminal Injuries Compensation Board já pagou mais de £731,000 em indenizações, mas mais processos continuam a surgir.

Os legisladores ingleses reagiram ao absurdo e os médicos agora devem passar por uma verificação criminal, ter ficha “limpa”, o que mostraria que Shipman prescrevia quantidades indevidas de petidina, obrigando os médicos a declararem doações de seus pacientes e a declarar todas as mortes em suas clínicas.

As mulheres serial-killers levam, na média, muito mais tempo até serem descobertas do que os homens. Em parte isso se deve ao seu método preferido, o envenenamento. Mas Shipman superou, de longe, a média do tempo de impunidade das mulheres serial-killers e, para isso, teve ajuda. Como em muitos casos, a impunidade, nossa velha conhecida, pessoas e instituições colaboraram – no caso as associações médicas, devido ao seu corporativismo, e a polícia, devido à sua incompetência e desleixo.

Analisar os serial-killers somente a partir da personalidade do assassino é um erro. Houve muitas falhas institucionais que contribuíram para um número de mortes estimadas hoje em mais de trezentas.