Arquivo da tag: corrupção
Desvio de função?
Creio que as várias “operações” levadas a cabo pela polícia e apoiadas pela PGR, personificada, no momento, por Janot, em seu conjunto são muito bem vistas pela maioria da população. Podem estar contribuindo, e poderão vir a contribuir ainda mais, para a sanitização da política brasileira e de suas instituições. Recebem muitas acusações – seletividade política e partidária, vazamentos indevidos, procedimentos indevidos etc., da parte deste ou daquele grupo político. Essas acusações devem ser levadas em sério, independentemente de nossa proximidade política com o partido, grupo ou pessoas que são investigadas. O abuso de poder contra um adversário político não deixa de ser abuso de poder porque está sendo usado contra um político e/ou partido com os que não simpatizamos.
Entendo que Janot, ao justificar esse ou aquele procedimento, essa ou aquela denúncia, teria declarado que seu objetivo maior era retirar a corrupção sistêmica da política brasileira. Se entendo mal, me penitencio.
O objetivo é correto, mas é parcial. Além disso, não é a função precípua da PGR retirar a corrupção sistêmica da política brasileira e deixar a sua irmã xifópaga, a corrupção empresarial, impune. A corrupção requer, pelo menos, dois atores – quem corrompe e quem é corrompido. Não há um sem o outro.
A delação premiada, no meu entender, é um instrumento importante para a redução da corrupção e para o bem funcionar da investigação, mas não pode ser usada levianamente nem unidirecionalmente. A corrupção é um crime cometido por dois ou mais autores. Não há corrupção sem corruptores.
Há uma semelhança entre a delação premiada e outro tipo de negociação, bastante comum em vários países, que viabiliza, facilita e/ou reduz muito os custos do trabalho investigativo, persecutório e judicial. Nesses exemplos, a redução leva em consideração a justa pena, a gravidade do crime cometido. Não é uma absolvição, nem uma redução da pena devida a uma pseudo-pena, simbólica.
O objetivo das operações não pode ser retirar unicamente os que se deixaram corromper do cenário. Os empresários que corromperam não podem ser deixados livres para corromper a próxima geração de políticos. São criminosos e devem cumprir pena compatível com a gravidade do crime que cometeram. Como bem coloca Gabriel Ozorio de Almeida Soares, “enquanto apenas os políticos forem punidos e os empresários escaparem ilesos, o modelo econômico [baseado na] corrupção continuará funcionando”. E lembra: “o acúmulo de grandes fortunas por meio de corrupção política… estava presente na Alemanha nazista e na Itália fascista. ”
O prêmio da delação deve ser uma diminuição da pena, que deve ser cumprida sem privilégios, e não sua redução a uma simbólica tornozeleira eletrônica.
Gláucio Soares IESP-UERJ
Desvio de função?
Creio que as várias “operações” levadas a cabo pela polícia e apoiadas pela PGR, personificada, no momento, por Janot, em seu conjunto são muito bem vistas pela maioria da população. Podem estar contribuindo, e poderão vir a contribuir ainda mais, para a sanitização da política brasileira e de suas instituições. Recebem muitas acusações – seletividade política e partidária, vazamentos indevidos, procedimentos indevidos etc., da parte deste ou daquele grupo político. Essas acusações devem ser levadas em sério, independentemente de nossa proximidade política com o partido, grupo ou pessoas que são investigadas. O abuso de poder contra um adversário político não deixa de ser abuso de poder porque está sendo usado contra um político e/ou partido com os que não simpatizamos.
Entendo que Janot, ao justificar esse ou aquele procedimento, essa ou aquela denúncia, teria declarado que seu objetivo maior era retirar a corrupção sistêmica da política brasileira. Se entendo mal, me penitencio.
O objetivo é correto, mas é parcial. Além disso, não é a função precípua da PGR retirar a corrupção sistêmica da política brasileira e deixar a sua irmã xifópaga, a corrupção empresarial, impune. A corrupção requer, pelo menos, dois atores – quem corrompe e quem é corrompido. Não há um sem o outro.
A delação premiada, no meu entender, é um instrumento importante para a redução da corrupção e para o bem funcionar da investigação, mas não pode ser usada levianamente nem unidirecionalmente. A corrupção é um crime cometido por dois ou mais autores. Não há corrupção sem corruptores.
Há uma semelhança entre a delação premiada e outro tipo de negociação, bastante comum em vários países, que viabiliza, facilita e/ou reduz muito os custos do trabalho investigativo, persecutório e judicial. Nesses exemplos, a redução leva em consideração a justa pena, a gravidade do crime cometido. Não é uma absolvição, nem uma redução da pena devida a uma pseudo-pena, simbólica.
O objetivo das operações não pode ser retirar unicamente os que se deixaram corromper do cenário. Os empresários que corromperam não podem ser deixados livres para corromper a próxima geração de políticos. São criminosos e devem cumprir pena compatível com a gravidade do crime que cometeram. Como bem coloca Gabriel Ozorio de Almeida Soares, “enquanto apenas os políticos forem punidos e os empresários escaparem ilesos, o modelo econômico [baseado na] corrupção continuará funcionando”. E lembra: “o acúmulo de grandes fortunas por meio de corrupção política… estava presente na Alemanha nazista e na Itália fascista. ”
O prêmio da delação deve ser uma diminuição da pena, que deve ser cumprida sem privilégios, e não sua redução a uma simbólica tornozeleira eletrônica.
Gláucio Soares IESP-UERJ
Os empresários da morte
A Criminologia, amplamente definida, inclui livros, artigos, teorias, hipóteses e noções que divergem muito entre si no que concerne o grau de elaboração teórica, de precisão conceitual, de precisão empírica e muito mais. Sob o mesmo teto disciplinar encontramos desde noções até teorias elaboradas e sofisticadas, desde pesquisas empiricamente trabalhadas, com alto nível estatístico e metodológico, até afirmações gratuitas que pretendem ser sua própria prova, evidência e demonstração. Em algumas áreas, a existência de um conceito com mais possibilidades de exatidão ajudou a formulação e execução de trabalhos mais precisos. Os trabalhos pioneiros têm essa função. Um exemplo relativamente recente é o do custo do crime, que pretende responder à importantíssima pergunta, “quanto custa o crime ao país? ”. No Brasil, há já uma década, Daniel R.C. Cerqueira, Alexandre Y.X. Carvalho, Waldir J.A. Lobão e Rute I. Rodrigues deram um impulso a esse tipo de estudos[i]. Em seu premiadíssimo trabalho sete anos mais tarde, Cerqueira elaborou estimativas do custo do crime.[ii] Esses estimularam várias outras iniciativas e temos, hoje, estimativas com um grau muito menor de incerteza do que há dez ou quinze anos. Na Colômbia, Fabio Sánchez Torres, também há mais de uma década, vem contribuindo para o acervo de conhecimento nessa área, que é relativamente nova na América Latina.[iii] As noções de há vinte anos foram substituídas por conhecimento sólido e crescente.
Essa transformação tem consequências. É crescente o número de pessoas que perceberam que o crime é um empecilho sério ao bem-estar econômico. Já não pensam o crime somente como crime.
A área está em expansão. Este ano, Laura Jaitman editou um livro com contribuições de analistas de diferentes países latino-americanos.[iv] É um estudo patrocinado pelo BID, que pretende que seja o primeiro de uma série.
Não obstante, o custo em dinheiro não é a única maneira de estimar os custos do crime e da violência usando um indicador com um nível de mensuração de intervalo. É, também, possível fazer estudos isomórficos a esses usando vidas perdidas e anos de vida perdidos na avaliação. Não são mortes fáceis de ver do conforto do asfalto. Líderes comunitários, antropólogos e simples moradores, assim como parentes e amigos das vítimas, chamam a nossa atenção para a devastação provocada pela corrupção. Estão na ponta, na outra ponta; para eles o pagamento em vidas e sofrimento é visível, não é questionável.
O custo do petrolão e do saque generalizado de empresas como a Odebrecht e a JBS pode ser estimado contrafactualmente em número de vidas e de anos de vida perdidos. No meu ver, os responsáveis pelo saque do Brasil são assassinos em massa. Mataram, indiretamente, muita gente. Alguns talvez tenham matado diretamente, mas as mortes diretas são uma fração pequena das mortes totais. É importante reconceitualizar os saques e seus perpetradores: não são, apenas, saqueadores, são assassinos também. Seus rombos matam. O crescimento dos homicídios é, talvez, a consequência mais visível provocada pela incompetência e pelos saques, mas há muitas outras áreas nas quais as mortes voltaram a crescer ou decresceram mais vagarosamente. É importante reconceitualizar os políticos e os empresários que participaram do saque do país, dos estados, das cidades, das instituições. Não são, apenas, corruptos e corruptores, são assassinos também. Não é possível premiar assassinos múltiplos com a liberdade irrestrita, para que disfrutem, em centros mundiais do prazer, dos frutos dos seus crimes. Eles mataram seres humanos, eles mataram brasileiros.
Nossos pesquisadores podem e devem estimar, com todo o rigor estatístico, o número de mortos e de anos de vida perdidos graças aos empresários da morte. Após a demonstração de que muitas, possivelmente centenas de milhares, de vidas foram ceifadas pelo saque alavancados por esses empresários, nossos promotores e juízes serão menos lenientes do que foram até agora.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ
[i] Análise dos custos e consequências da violência no Brasil, de Março de 2007.
[ii] Causas e consequências do crime no Brasil.
[iii] Las cuentas de la violencia. Ensayos económicos sobre el crimen y el conflicto en Colombia. Editorial Norma, 2007 Violencia en las familias colombianas. Costos socioeconómicos, causas y efectos. Departamento Nacional de Planeación, BID y Universidad de los Andes. Bogotá, 2004. (Com María Victoria Llorente, Editores).
[iv] Los costos del crimen y de la violencia: Nueva evidencia y hallazgos en América Latina y el Caribe – Ver em: https://publications.iadb.org/handle/11319/8133?locale-attribute=es&#sthash.mMz8PYgy.dpuf
MORRER DE INDIGNAÇÃO
Li que um padre morreu vítima da própria indignação contra a usura. Isso aconteceu durante um sermão em 20 de março de 1286, em Sena. Se chamava Ambrósio de Sansedoni. Morreu em pleno sermão, de indignação.
Penso quantos de nós adoecem vitimados pela sensação de impotência e indignação de estarmos à mercê de um estamento político que coloca o amor pelo dinheiro e pelo poder acima, muito acima dos interesses e da vida da cidadania, da sua vida e da minha vida.
Eleitos para servir ao povo, se servem do povo para servir a si mesmos.
Há, dentro de cada um de nós, um Ambrósio de Sansedoni.
Gláucio Soares IESP/UERJ
A saída do Ministro da Justiça
A saída do ministro José Eduardo Cardozo provocou muitas especulações e começa a provocar debates e uma crescente preocupação com um retrocesso democrático. Cláudio Beato Filho, Professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMG, é um dos ícones da Segurança Pública no Brasil. Suas considerações, publicadas em Qualidade da Democracia, a respeito da saída do ministro merecem uma análise e uma reflexão profundas. Leia o texto em:
http://qualidadedademocracia.com.br/razoes-da-saida-do-ministro-da-justica/
Marola de esperança
É uma opinião, apenas: creio que dentro do tsunami da corrupção que nos envergonha, há uma esperança, marola ainda, mas esperança. Creio que a extinção do foro privilegiado é indispensável e que acontecerá. Existe para “garantir a impunidade. Para que aqueles no topo econômico da sociedade não sejam condenados”, disse o Ministro Barroso do STF. É incompatível com, e ofensivo à República. República e privilégio são incompatíveis. O próprio Barroso o identifica como reminiscência aristocrática:
“O foro por prerrogativa de função é uma reminiscência aristocrática que temos no Brasil. O sistema é muito ruim, é feito para não funcionar, para fomentar a impunidade, para levar à prescrição”.
Concordo com Dilma quando afirma que essa é uma oportunidade única. Agrego que, para ser aproveitada, parte da situação deve aceitar que existe, por um lado, e a responsabilidade de que aconteceu no seu governo, pelo outro, e a oposição deve se abster de qualquer acusação leviana antes do processo terminado e as responsabilidades demonstradas, além de qualquer dúvida razoável, para parodiar a expressão americana.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ
EXPLOSÃO DOS HOMICÍDIOS NA VENEZUELA
O Observatório Venezuelano da Violência informa que o número de homicídios no país atingiu novo recorde. Na média, 53 pessoas são mortas por dia. No total, quase vinte mil mortos no ano, computando, claro, apenas os que chegaram ao conhecimento das autoridades. A taxa venezuelana, de 67 por 100 mil habitantes, é a mais alta da América Latina. É mais do dobro da taxa colombiana, país marcado pelas guerras da narcoguerrilha, e mais de quatro vezes a mexicana, país também marcada pela violência do narcotráfico. O que deixa os pesquisadores desorientados é que a Venezuela não é um país que produza a pasta, que a refina, nem é um dos grandes exportadores.
O governo da Venezuela não reconhece toda a extensão da violência: em Fevereiro do ano passado, o Ministro do Interior, Tarek El Aissami informou o congresso que a taxa era de 48 por cem mil. Já seria alta, mas é bem mais do que ele informou.
Por mais simpático que um observador possa ser em relação às reformas sociais de Chávez, a associação estatística com o seu governo é sugestiva. Em 1999, quando Chávez chegou ao poder, houve 4.550 homicídios no país. Hoje são mais de quatro vezes esse total.
As explicações passam por quatro tipos de dados com diferentes graus de confiabilidade: em primeiro lugar, é alto o número de armas de fogo; em segundo, a impunidade é alta porque uma percentagem ínfima dos crimes chega à condenação; em terceiro lugar, a polícia não evoluiu tecnicamente e os militares, que não foram treinados para combater o crime, são atores relevantes no débil e incompetente combate ao crime; finalmente, o personalismo chavista significa ausência de padrões eficientes de governo. É um claro contraste com o que aconteceu na Colômbia e com o que vem acontecendo no Estado de São Paulo (e em muitos municípios paulistas) e, em grau menor e mais recentemente, no Estado do Rio de Janeiro.
GLÁUCIO SOARES IESP/UERJ
Mortos em sacos de lixo
“Sábado, às 8 horas estarei aqui”. Sábado, seu Francisco estava lá na hora marcada. Ele é jardineiro, do tipo que faz o “feijão com arroz”, mas quando marca, vai; quando promete, faz. Possui capital social, contando com uma extensa rede de clientes que confiam nele. Não falta trabalho, não falta ao trabalho. A sabedoria em lidar com seu Francisco consiste em não pedir que faça o que não sabe por que a resposta, honesta, é sempre a mesma: “isso eu não sei fazer, não senhor”. Seu Francisco também diz não quando a agenda não permite: “sexta não dá não, porque não tem lugar”. Seu Francisco mora na periferia, numa casa bem mantida, com padrões muito acima dos da vizinhança, a família não passa necessidades e seus filhos vão bem na escola. Repete o conhecido objetivo de que “meus filhos terão uma vida mais fácil do que a minha”. O retirante nordestino garantiu o futuro material dos filhos e, conscientemente, agrega: “se Deus quiser irão muito mais longe. O perigo é a bandidagem”. A confiança que ele inspira permitiu-lhe uma rede de pessoas que confiam nele e o contratam, a despeito do baixo capital humano.
É uma relação que repercute na Ciência Política: Putnam, em 1993, afirmou que “a confiança é um componente básico do capital social”. Sem confiança, não há como formar redes sociais. A confiança e o capital social são importantes para o funcionamento do país. Denise Salles enfatiza a previsibilidade; a confiança interpessoal é sua garantia. Com ela, contratos, leis e compromissos serão respeitados e os brasileiros trabalharão juntos e enfrentarão os problemas juntos. Na atualidade, é cada um por si e ninguém por todos.
O baixo capital social dos brasileiros é a ponta do iceberg de um conjunto de valores irresponsáveis que chega à criminalidade. A “Lei de Gerson”, que domina a sociedade brasileira de alto a baixo, zerou a confiança interpessoal no país. Exemplos do cotidiano: seu Jerônimo é um bom marceneiro. Com cursos e experiência, aprendeu a fazer boas estantes. Bom capital humano como trabalhador. Aceitou vir fazê-las em minha casa. Marcou quatro vezes, não apareceu, nem mesmo telefonou para avisar que não viria. Na quinta vez, depois de faltar, quando o encontrei tentou se justificar e ficou até irritado quando o interrompi, dizendo: “nem comece; não adianta”. Capital social zero. Seu Jerônimo não será jamais contratado nem indicado por mim.
Vi o excelente trabalho feito pelo Tadeu, outro marceneiro, na casa de um colega. Levei quatro bolos do Tadeu, o último a despeito de um telefonema dele, numa sexta, marcando o início do trabalho para a manhã seguinte. Manhã perdida, esperando o Godot marceneiro.
Não são apenas os marceneiros. Esse comportamento é um padrão social em muitas áreas de atividade e não uma característica exclusivamente de alguns setores ocupacionais ou de algumas pessoas. Minha experiência, e a de várias pessoas que entrevistei, mostra que ela se estende a muitos setores dos serviços e de outras ocupações, incluindo burocratas, advogados, médicos, professores, contadores, bombeiros-eletricistas e muito mais. Os compromissos não são honrados e a palavra muito menos.
A crise ética e moral não é, apenas, dos nossos políticos: é do nosso país, é de todos nós, e se revela nos dados sobre a confiança interpessoal. Somente um em cada dezoito brasileiros confia nos demais. A metade no nível uruguaio, perto de um terço do argentino. Percentualmente, para cada brasileiro que confia nos seus compatriotas, há sete americanos que confiam nos deles.
Como construir uma sociedade e uma polis onde ninguém confia em ninguém? Inglehart, em 1989, concluiu que a confiança se correlaciona positivamente com o PIB e com a democracia. Para ele, a confiança alavanca a democracia e o desenvolvimento econômico. Müller e Seligson, em 1994, defenderam a hipótese oposta: a democracia e o nível de vida explicariam a confiança. A possibilidade de endogenia é clara e é difícil saber o que causa o quê, sendo a influência recíproca uma hipótese plausível. É a minha.
Há casos que provocam indignação. No jazigo da minha família, como em quase todos, os corpos são exumados depois de alguns anos. Comprei, há quatro anos, com minha prima, urnas funerárias para colocar os restos mortais de meu pai e de meu tio. Quinta feira minha tia foi enterrada. Os restos mortais de meus pais e de meu tio estavam em sacos plásticos pretos, como os de lixo. Das urnas, nem sinal. Como são caras, setenta reais cada, imagino que foram vendidas. O administrador estava ausente do cemitério nas vezes em que estive lá, e a simpática secretária, como de praxe, não sabia nada de nada. Em uma das minhas visitas, num feriado, o cemitério estava fechado. É proibido morrer nos feriados. Naquele outrora bucólico município da orla fluminense, o cemitério e sua igreja, no alto de um morro, simbolizavam a derradeira paz. Hoje o município é conhecido pela violência e pela corrupção que marcam a costa do petróleo. A Lei de Gerson e a bandidagem não respeitam nem os mortos.
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ
Publicado n´O Globo em 21 de setembro de 2011
Eleições criminais
Recebi do Jorge Zaverucha
folha de sp 5 set 2010
JANIO DE FREITAS
Eleições criminais
Não há motivo para supor que das investigações resultarão consequências exigidas pelas leis |
OS FATOS e os não-fatos já mencionados, em torno de dados sigilosos de pessoas ligadas a José Serra, não exigem imparcialidade virtuosa para a percepção de que, até agora, tanto poderiam proceder de um lado como de outro na disputa pela Presidência.
Assim como a petistas seria possível ocorrer a violação e o uso de sigilos para comprometer Serra, aliados de Serra poderiam pensar na montagem de um ardil para incriminar a candidatura de Dilma Rousseff. E, por ora, não se tem indício, com alguma confiabilidade, contra um lado ou outro. O que há, nesse sentido, são preferências infiltradas no noticiário e dando-lhe o tom, ainda que parte delas seja mais por precipitação do que por motivos eleitorais.
A última contribuição desse estranho personagem Antonio Carlos Atella Ferreira, que tanto perde na memória atos inesquecíveis como os recobra com rápida e fácil dubiedade, é ilustrativa do momento indefinido. “Vou fazer a vida com essa historinha”, lema que expôs logo ao ser identificado como parte do embrulho, é uma proclamação de caráter e intenções, para não dizer de objetivo de vida. A curiosidade se oferece: ainda não fez a vida?
A filiação de Atella ao PT traz para o caso mais uma peça amorfa, sujeita a questionamento: a Justiça Eleitoral. Como é possível que só seis anos depois da filiação o Tribunal Regional Eleitoral-SP a tenha “excluído” por incorreção no registro?
No intervalo 2003-2009, houve eleições para prefeito, governo do Estado, presidente da República e ainda para vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores. Em São Paulo, a maior concentração da Justiça Eleitoral no país não sabia quais filiações partidárias eram corretas ou não? Logo, não seria estranho haver irregulares entre os candidatos e até entre os eleitos.
E quanto a Atella Ferreira, como e por que veio a saber da incorreç ão, afinal? Descoberta havida em momento tão propício para engrossar o caso, dois meses depois da quebra do sigilo de Verônica Serra em que é coautor, com o próprio nome a indicá-lo na fraude. A Justiça Eleitoral deve explicações.
Desde 1982, quando o SNI, o candidato Moreira Franco, integrantes do departamento de jornalismo da Globo e a empresa de informática Proconsult se uniram para fraudar a eleição no Estado do Rio, as eleições brasileiras são terreno de bandidismo eleitoral, do mais ordinário ao mais grave. Todos os episódios provocaram inquéritos de polícias estaduais e da Federal, do Ministério Público, da Justiça Eleitoral e da Justiça Criminal. Nenhum, jamais, levou a alguma das consequências determinadas pelas leis.
Estamos diante de mais um caso. Cercado de suspeições e hipóteses viáveis, em diferentes sentidos. Com toda a certeza, recheado de crimes graves, inclusive contra preceito da Constituição. M as não há motivo para supor que das várias investigações resultarão as consequências exigidas pelas leis. Eleições, aqui, misturam-se muito com outros propósitos e atividades.