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OS IMIGRANTES COMETEM MAIS CRIMES?

OS IMIGRANTES E O CRIME

 

Um debate entre americanos da direita mostra como há muita diferença entre eles. Os direitistas não são todos iguais. Ron Unz edita o American Conservative, e Jason Richwine teve e tem militância nos think-tanks da extrema direita, como a Heritage Foundation e o American Enterprise Institute.  

O debate supõe um público informado sobre as estatísticas criminais americanas. Unz afirma várias coisas: os latinos (hispanics) variam muito entre si, sendo os do caribe (exceto os cubanos) os que estão em pior situação e tendem mais ao crime; há um importante efeito composicional da idade (os homens jovens cometem mais crimes, particularmente crimes violentos), sendo 27 anos a média dos hispanics e a dos brancos mais de quarenta. Por isso, é necessário padronizar os dados por idades. A necessidade de espacialização e regionalização também aparece: os brancos que vivem no Nordeste americano têm taxas de criminalidade mais baixas do que os que vivem nas outras regiões do país; porém o oposto acontece com os hispanics, o que faz com que as diferenças naquela região sejam as mais altas dos Estados Unidos. Portanto, generalizar do Nordeste para todo o país leva o analista ao erro. 

Há outros problemas composicionais: pesquisas em muitos países mostram que a mais educação, menos crimes violentos. Os imigrantes hispânicos têm níveis educacionais mais baixos do que os americanos brancos. Os homens também têm taxas de crimes violentos mais altas do que as mulheres. Na maioria dos movimentos migratórios há mais homens do que mulheres. Assim, diferenças na composição por sexo e por educação alteram as diferenças nas taxas de criminalidade entre migrantes hispânicos e americanos brancos. Quando controlamos a educação e o sexo dos dois grupos, as diferenças nas taxas de criminalidade diminuem muito.

Há também, outro efeito urbano-espacial: os hispânicos vivem em maior proporção nas cidades, onde os crimes são mais altos (hoje, nos Estados Unidos – não generalizar para outros países e outros tempos) e as estatísticas têm menos erros e omissões. 

As instituições policiais e judiciais também pesam. Outros estudos, contrastando negros e brancos, mostram que os policiais prendem proporcionalmente mais negros e os negros também são condenados a penas mais longas – pelos mesmos crimes. Esse é um dado difícil de obter e tudo o que podemos fazer a respeito das diferenças entre brancos e diferentes grupos hispânicos é especular sem dados que fornecem um apoio substancial a qualquer hipótese formulada nessa área, que está pouco pesquisada.

Todos os dados têm vieses, maiores ou menores. Unz insiste que os dados sobre presos apresentam menores vieses, e também lembra que as diferenças entre hispânicos e brancos são muito reduzidas depois que os crimes relacionados com a imigração são retirados da contagem.

Um dos aspectos mais interessantes do debate tem a ver com os dados apresentados por Unz a respeito das variações espaciais-estaduais da criminalidade do mesmo grupo. Brancos, no Texas, têm taxas de criminalidade que excedem em 300% as dos brancos em Illinois! O espaço conta! Unz também argumenta que há um efeito midiático que sublinha o espetacular. Nessa mídia, Los Angeles é uma grande perdedora. É vista como tendo uma criminalidade altíssima, dominada pelas gangues étnicas, maras inclusive. Hoje, metade da população de Los Angeles é hispânica; não obstante, a taxa de criminalidade da cidade, hoje, é menor do que em 1950, quando era, em grande parte, uma cidade branca. Mais: Portland é a cidade grande com maior percentagem de brancos e sua taxa de crimes violentos é semelhante à de Los Angeles.

Jason Richwine atribui as conclusões de Unz às bases de dados que ele usa, que seriam eivadas de erros. Prefere o menos conhecido American Community Survey, cujos dados contrariam várias conclusões de Unz. Outras bases que mostram diferenças importantes se referem à delinquência juvenil e à percentagem de alunos suspensos. Introduzindo o meu viés anti-viés, lembro que essas bases também são suscetíveis de vieses de seleção. Em minha opinião, Richwine, a despeito de sua excelente formação estatística e de cientista político, pesquisou bem menos a área do crime e da violência do que Unz.  

Há concordância em que os imigrantes apresentam taxas mais baixas do que os cidadãos da mesma origem que não migraram o que aponta para a seletividade da imigração (sabemos que os que migram são diferentes dos que ficam no país de origem em muitos aspectos), e para as diferenças entre os contextos policial, judicial e penal, particularmente as diferenças entre as taxas de impunidade entre os países: é mais arriscado cometer um crime nos Estados Unidos. Há concordância em que a aprendizagem do Inglês facilita a ascensão social dos hispânicos e contribui para que sua renda seja maior e esses fatores se correlacionam negativamente com a criminalidade, sobretudo a criminalidade violenta.

Há também, concordância, em que os negros são o grupo étnico/racial com a mais alta taxa de criminalidade, controlando as variáveis mencionadas. Os debatedores também concordaram – e os dados assim o mostram – que muitos homicídios são entre hispânicos e negros. 

Em ano eleitoral, esse debate é particularmente relevante porque opõe os que são contra o ensino bilíngue, contra a concessão da cidadania a imigrantes ilegais que estão no país há muitos anos, a favor de penas duríssimas contra os imigrantes ilegais, que também se aplicam aos que os empregam e ocultam, de um lado, e os hispânicos legais, de varias gerações, do outro. Os hispânicos “legais” representam 16% da população americana e contam nas eleições!

Se Unz enfatiza que os hispânicos não são todos iguais, o debate mostra que os conservadores e direitistas tampouco são iguais… 

 

GLÁUCIO SOARES            IESP/UERJ    

A maneira violenta de reduzir a violência?

Publicado no Correio Braziliense, Brasília, quinta-feira, 18 de setembro  de 2008 •  27.

O Rio de Janeiro, às vésperas das eleições municipais, se agita com a campanha eleitoral. O Instituto de Segurança Pública (ISP) cumpre com a obrigação de divulgar as estatísticas criminais do primeiro semestre. A divulgação das estatísticas numa época de eleições é explosiva. Os dados são confiáveis? Desde a sua estruturação com Jaqueline Muniz, passando por Ana Paula Miranda, chegando
à atual administração, do tenente-coronel Mário Sérgio Brito Duarte, duas afirmações podem ser feitas: os dados ficam paulatinamente melhores e não há, no ISP, fraude nem adulteração dos dados.
É impossível afirmar categoricamente que nenhum delegado ou comandante adulterou dados, no Rio de Janeiro ou em qualquer lugar. O que, sim, há é um atraso na divulgação, conseqüência de que algumas delegacias ainda são tradicionais, não informatizadas (não são delegacias legais), o que retarda a apuração. Enquanto houver delegacias tradicionais, haverá atrasos.
O que dizem os dados? Para mim, eles indicam uma melhoria na segurança no Estado do Rio de Janeiro em comparação com período semelhante em 2007. Durante o primeiro semestre de 2008 houve 2.859 homicídios, 276 a menos do que os 3.135 ocorridos no mesmo período de 2007. Um descenso de 8,8% é considerável. Porém, o que mais assusta a população são os latrocínios, e os latrocínios aumentaram: de 89 para 107. O aumento de 18 latrocínios é pequeno em relação ao declínio de 276 homicídios dolosos. O risco de morrer em um
homicídio doloso comum é quase 27 vezes maior do que morrer num latrocínio.

Os analistas e os defensores dos direitos humanos (para todos) se preocupam, com razão, com o número elevado de mortos em “autos de resistência”; para uns, um indicador do grau do conflito entre a polícia e os criminosos; para outros, um indicador do grau de violência policial. Eles aumentaram de 694 para 757, 63 vidas a mais,
equivalentes a 9% sobre 2007.
No cômputo total das vidas, foram 276 ganhas com a redução dos homicídios, 18 perdidas com o aumento dos latrocínios (uma subcategoria dos homicídios) e mais 63 perdidas com o aumento dos autos de resistência. Friamente, um saldo de 195 vidas salvas no semestre.
A análise relacional entre a mudança nos homicídios e a mudança nos latrocínios não sugere uma relação muito significativa; porém, a mesma análise nos diz que as diferenças nos homicídios totais e nos autos de resistência não devem ser vistas como acidentais. Elas podem estar relacionadas.
A próxima etapa numa pesquisa poderá averiguar qual a distribuição espacial dessas mortes, se as AISPs com maior aumento nos autos de resistência também são as com maior redução nos homicídios. Se forem, a hipótese relacional ficará fortalecida, sugerindo que a política pública e as práticas policiais que matam mais pelas mãos da polícia são as mesmas que reduzem os homicídios.
Furtos e roubos de veículos estão entre os dados mais confiáveis devido ao seguro obrigatório. Os roubos caíram de 17 mil para 14 mil, um bom saldo de 3 mil veículos roubados a menos. Já os furtos baixaram de 11.052 para 10.748, 300 a menos.
Os demais resultados devem ser lidos com cuidado. Poucos são confiáveis, devido à altíssima subenumeração.Os assaltos a pedestres e transeuntes não estão entre os dados confiáveis, porque as pesquisas de vitimização indicam que a maioria dos assaltos não chega ao conhecimento da polícia. Não obstante, o crescimento foi grande, o que paradoxalmente nos sugere que aumentaram, mas não sabemos quanto. Formulo a hipótese de que parte desse aumento se deve à migração de parte do tráfico para outros crimes, inclusive os assaltos.
Fico preocupado com as reações que já apareceram a esses números. A linha dura está feliz, mostrando que a política de endurecimento dá certo. Morreriam mais bandidos para salvar um número muito maior de cidadãos. Infelizmente, não é bem assim. Nem todos os que morrem são bandidos e muitos dos que não morreram o são. Além disso, o direito à vida é de todos e não, apenas, dos cidadãos de bem. Precisamos buscar políticas e práticas que continuem reduzindo os homicídios, mas que reduzam também as mortes por autos de resistência. Do outro lado do espectro ideológico, o aumento nos autos de resistência fecha a questão. Já diz tudo. As práticas são erradas e truculentas. Desconsideram as 276 vidas humanas salvas no semestre com a redução dos homicídios dolosos comuns. E os significativos resultados na redução dos furtos e roubos de veículos também são ignorados.
No Brasil, a questão da segurança pública se politizou. Infelizmente, foi além da politização: ficou refém da ideologia do analista. Seus participantes sofreram um triste encolhimento cognitivo: são a favor, não importa o quê; são contra, não importa o quê. O dado é desprezado, e o conhecimento morre.

GLAUCIO ARY DILLON SOARES